A Era do Capital

A Segunda Revolução Industrial

O uso da expressão segunda revolução industrial se faz necessário quando queremos propor que o período inicial da segunda metade do século XIX foi marcado por um grande crescimento da indústria, mesmo que em lugares limitados – França, EUA, Inglaterra, Alemanha. Essa transformação tecnológica foi impulsionada por inovações que ampliaram o uso das fontes energéticas e de materiais, ampliando a capacidade industrial.

Os Avanços Tecnológicos

  • Motores de combustão interna – elétrico e diesel
  • Ampliação do uso de aço em relação ao ferro
  • Uso de geradores elétricos

Os avanços são tantos que para alguns há uma chamada Revolução Científico-Tecnológica, pois diferente da Primeira Revolução Industrial, onde o aperfeiçoamento das máquinas foi realizado por pequenos industriais, na “Segunda”, os esforços foram mais sistemáticos e complexos, mobilizando equipes de pesquisadores, por exemplo. Os Institutos de pesquisa aparecem, assim como as bolsas de estudos, financiados por empresas e pelo Estado, que buscavam o desenvolvimento da tecnologia a ser aplicada na indústria.

Nos EUA, por exemplo, nós temos a “era dos inventores”, um período em que foi alimentado o ideal do inventor solitário, criativo, genial e laborioso, que no fundo da sua casa, criava uma tecnologia transformadora para a humanidade, tal qual imaginamos que tenha sido com Thomas Edison ou com o doutor Emmett Brown, o inventor da máquina do tempo em “de Volta para o Futuro”. Claro que tudo isso era alimentado pela imprensa e por um confuso sistema de patentes, que dava aos estadunidenses o crédito por diversas invenções como a máquina de escrever, a máquina registradora, a máquina de soma e o linotipo. Além disso nós temos o telefone, no qual Graham Bell apenas aprimorou uma invenção do italiano Antonio Meucci, que não teve recursos para patentear sua invenção. Na verdade, a inovação tecnológica não era produzida em garagens, já existiam os laboratórios dentro das próprias indústrias ou nas próprias universidades.

O Capitalismo Financeiro

Até a primeira metade do século XIX nós percebemos na sociedade industrial um crescimento das fábricas tendo origem a partir do reinvestimento do seu próprio lucro. Porém, a tendência do capitalismo em concentrar monopólio, como afirmava Marx, acaba se consolidando e a partir da década de 1870 há um crescimento industrial acelerado. A produção supera o consumo, as taxas de lucro caem e as empresas menores quebram, elementos que favorecem a concentração de capital e o monopólio por grandes empresas. Com isso, nós observamos o investimento de grandes banqueiros a estas grandes indústrias, desenvolvendo o capitalismo financeiro, uma união entre o capitalismo industrial e o bancário.

As principais características do capitalismo financeiro são o monopólio, a concentração de capital e a eliminação da livre concorrência, realizadas a partir destas práticas;

  • Truste: fusão de várias empresas em apenas uma que assume o comando, concentra (ou tem o objetivo de concentrar) e domina todas as fases de produção, distribuição e consumo.
  • Holding: ocorre quando empresas de médio porte se tornam subsidiárias de uma grande empresa. O controle das ações por parte da grande empresa ajusta o mercado a seu favor, já que ela acaba estabelecendo o padrão dos preços para eliminar a concorrência.
  • Cartel: acordo entre empresas que atuam em um mesmo ramo da economia, com o objetivo de evitar a concorrência e de estabelecer convenções quanto à fixação de preços e nichos de mercado.

Nos EUA nós temos o exemplo de John D. Rockfeller e seus sócios, que construíram o primeiro truste em 1882, onde acionistas de refinarias trocaram o “cartel” por ações da Standard Oil Trust. Assim, 90% do refino do petróleo ficou sob as mãos de um único conselho. Essa expansão não ocorreu apenas na forma horizontal, pois a Standard Oil passou a integrar verticalmente a indústria do petróleo, controlando o setor de perfuração de poços à oleodutos. Existiram mecanismos antitrustes, mas em geral eles foram ineficazes.

Os eventos que permitiram o capitalismo financeiro resultaram da crise do sistema capitalista, principalmente entre as décadas de 1870-1890, e como nem todo o ramo industrial era dependente da alta tecnologia, a concorrência em muitos setores permaneceu, levando a outras estratégias para manter as taxas de lucro, uma das mais utilizadas foi a da racionalização dos modos de produção, ou seja, a implementação de processos baseados em novas ideias como as do Taylorismo e Fordismo, buscando uma eficiência e barateamento da mão de obra.

As Cidades, os Trabalhadores e os Burgueses

A industrialização no final do século XIX realmente contribuiu para o avanço das metrópoles no planeta, como Nova Iorque, Londres e Paris, cujas populações já ultrapassavam os milhares. Porém, as cidades industriais não eram estes grandes centros, que por muitas vezes se tornaram polos econômicos baseado numa multiplicidade de serviços baseados em centros comerciais, nos transportes, na administração etc. Nestas cidades nós não encontramos uma maioria de trabalhadores industriais, porém, muitos trabalhadores domésticos e pertencentes ao setor de serviços. 

Os planejadores destas grandes cidades viam a pobreza como ameaça as reformas urbanas (a construção de avenidas e bulevares), daí a precarização do alojamento dos trabalhadores em regiões periféricas, que promoveram a proliferação de cortiços para aluguel, já que o número de arquitetos nestas cidades, por muitas vezes era insuficiente, o que permitiu a concentração destes profissionais apenas as moradias da burguesia.

A urbanização crescia, porém, as cidades industriais não eram gigantescas, tampouco as indústrias da época – se comparadas com hoje. Com populações entre 50-100 mil habitantes, nós tínhamos cidades industriais que mantinham uma paisagem natural acessível. As fábricas cresceram, mas ainda permaneciam longe do padrão atual – em média, uma fábrica de tecidos na Inglaterra, tinha por volta de 180 funcionários. Em compensação, nascia a cidade da companhia, complexos industriais como a Krupp em Essen e a Schneider na França, passavam de 12 mil funcionários – o destino de milhares de trabalhadores dependia da boa vontade dos grandes industriais.

 Estas grandes indústrias buscavam a garantia da mão de obra qualificada associada a elas partir das mais variadas estratégias. Começa a surgir os planos de carreira que incentivavam a promoção interna, garantindo a lealdade, a disciplina e a produtividade. Em raríssimos casos, nós também vamos perceber a implementação de pensões e subsídios as moradias dos trabalhadores. Todas estas ações não modificavam a condição geral do trabalhador – o seu salário de subsistência. Não era uma classe faminta prestes a se rebelar, mas o trabalhador também não era uma classe composta de homens e mulheres que se beneficiavam plenamente do crescimento material que ocorria em seu tempo. De forma geral, o trabalhador ainda era uma classe que vivia ameaçada pela miséria e com uma distância do mundo burguês imensa e intransponível.

O mundo burguês vivia seu ápice, marcado por uma materialidade baseada no extremo luxo e conforto. Havia a ideia de que o dinheiro comprava tudo, inclusive a felicidade do lar. Daí, o foco da casa era o seu ambiente interno, marcado por móveis de alta durabilidade e papéis de parede que modificavam o ambiente. Claro que a arte estava presente nesta composição, seja através de pinturas, esculturas e da música – sempre tinha um grande piano a espera de uma filha recatada que tocaria para a visita. O ideal do homem provedor, transformava o mundo burguês em um mundo patriarcal, onde as mulheres eram destinadas ao cuidado do lar e a submissão. A mulher como objeto também é percebida através das suas vestimentas e do comportamento sexual masculino. O próprio ambiente doméstico acabou se modificando, as mulheres passaram a representar ampla maioria dos empregados domésticos.

Para ascender a classe burguesa era necessário muito esforço, mas principalmente sorte. Apesar disso, grandes famílias como a Krupp, Rotschild e os Rokfeller insistiam no mito do herói fundador, onde a origem era baseada na superação de obstáculos e da baixa condição econômica. Se observarmos diretamente alguns exemplos, vamos perceber que essa relação não tem muito sentido. Por exemplo, numa indústria inglesa no ano de 1865, percebe-se que os chefes da oficina tinham sua origem em 89% de uma classe média, 7% classe média/baixa (artesãos, lojistas) e apenas 4% tinham vindo da classe trabalhadora. As vantagens econômicas sempre prevaleciam.

No meio político, a classe burguesa buscava seu espaço no poder, onde no continente europeu ela rivalizava com a aristocracia e nos EUA disputava com as famílias tradicionais um maior espaço na política. Essa classe se identificava pela sua riqueza e apoiava-se em pressupostos comuns, credos comuns e formas de ação comuns. O pressuposto comum no âmbito político era o liberalismo. Essa ideologia política era baseada na preservação do capitalismo, da expansão da empresa privada, na competitividade, na tecnologia, na ciência e na razão. Buscavam governos moderadamente representativos e numa quantidade de direitos e liberdades civis que ainda mantivesse a ordem social, mantendo os pobres no seu lugar. O indivíduo era o responsável pelo seu crescimento econômico, suas ações lhe traziam o mérito da sua condição financeira.

Essa fé na carreira aberta ao empreendimento era muitas vezes baseada em conceitos do puritanismo (fé no sentido da existência), mas também ia de encontro a ideia de seleção natural adaptando a ética burguesa puritana ao darwinismo social ou racismo científico, não sendo apenas uma ciência, mas também um componente ideológico. O burguês era o sinônimo da superioridade, mas também possuidor das qualidades morais equivalentes às antigas qualidades puritanas.

As Teorias Raciais

A sociedade burguesa observava o crescimento da indústria, da tecnologia e da ciência como um sucesso do capitalismo. Os homens instruídos do período pensavam muitas vezes que haviam chegado às respostas definitivas de seus problemas, como o célebre físico lord Kevin. Nesse contexto, a filosofia perdia espaço e as correntes filosóficas que mais terão destaques acabam sendo as que se subordinam à ciência, como o positivismo de Agusto Comte e o empirismo de John Stuart Mill. Porém, o mais influente da época era Herbert Spencer.

Num mundo que observava uma rápida mudança tecnológica, um crescimento das ciências como a física, a química, a matemática, todas associadas ao liberalismo econômico – as ciências naturais serviriam então para a base da elaboração de leis científicas para a vida e a sociedade. A partir desta realidade, nós temos dois nomes bem popularizados na biologia. Louis Pasteur que estudava microbiologia, contribuindo para a ideia de assepsia na medicina e para a teoria microbiana das doenças (além da pasteurização) e Charles Darwin, que publicava em 1859 sua obra – A Origem das Espécies – questionando o criacionismo a partir da evolução através da seleção natural.

Darwin vai influenciar diretamente diversos pensadores da área das ciências sociais, o próprio Karl Marx vai observar a importância da sua obra, que em parte tinha proximidades, como o materialismo em suas explicações, porém Marx observava a luta de classes e a revolução como busca de uma sociedade mais igualitária, enquanto outros pensadores vão utilizar o darwinismo para sustentar a ideia positiva da divisão social e do capitalismo graças a necessidade de competição para a evolução, nascendo assim o Darwinismo Social.

 

O grande “mentor” e “influenciador” das teorias sociais do século XIX foi Herbert Spencer. Dele nasce a expressão “sobrevivência dos mais aptos”, ele já analisava a sociedade sob a perspectiva de sobrevivência do mais forte, a teoria de Darwin só lhe daria mais instrumentos para suas posições. O Darwinismo social considera que os humanos são naturalmente desiguais, possuindo aptidões “inatas” inferiores ou superiores uns dos outros. A vida na sociedade é uma luta natural pela sobrevivência, assim, é normal existirem vencedores (burgueses). Spencer critica o Estado assistencialista por favorecer e proteger os mais pobres, para ele, estes deveriam morrer mais cedo, deixando menos descendentes, pois eles eram os menos aptos.

Outras áreas da ciência vão contribuir para estas posições racistas, como a genética – que vai propor uma hierarquia das raças – a psicologia e a neurologia farão os famosos testes de Q.I e antropologia e etnologia passam a definir as raças a partir de características físicas transmissíveis. Num contexto econômico liberal, estas ideias são amplamente aceitas e divulgadas, promovendo ideologias eugenistas e racistas.

A eugenia (fundada por Francis Galton) era uma ideologia que pregava que o Estado deveria criar uma elite genética por meio do controle científico da natalidade, visando o aprimoramento da raça humana. Ah, Galton era primo de Darwin e até mesmo este vai acabar sendo influenciado pelo darwinismo social. Em alguns dos seus ensaios posteriores, Darwin vai sustentar ideias classificando humanos em raças (como negros e indígenas) classificando-os de acordo com sua intelectualidade. Darwin também desencorajava o casamento com pessoas portadores de “inferioridades” no corpo e na alma.

É importante salientar que o Racismo científico aparece nas obras de outros autores como Georges Vache de Lapouge e sua obra “O Ariano”, onde as raças dividem-se em superiores (arianos) e inferiores (judeus, negros, etc…) apontando as relações entre o status social do indivíduo e sua identidade biológica ou racial. Joseph Artur Gobineau vai pelo mesmo caminho a partir da obra – Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1853) – ali, ele defende a superioridade da raça ariana descrita como a mais nobre de todas.

Nesta época o Darwinismo Social era um movimento ideológico e estava junto, desde o seu início, a ideologia liberal, ou seja, a defesa da sociedade capitalista. Isso permitiu uma rápida vinculação às ideologias eugenistas e racistas.

Referências Bibliográficas

  • BOLSANELLO, M. A. Darwinismo Social, Eugenia e Racismo Científico: sua repercussão na sociedade e na educação brasileiras . 12, p. 153–165, 9 maio 1996.
  • HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital: 1848-1875. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2012.
  • KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: Das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2020.
  • PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila. Contato História. Volume 3. 1. ed. São Paulo: Quinteto, 2016.