O Brasil entrava na década de 1920 esperançoso pela chegada do progresso. A população aumentava desde o início da República de 10 milhões para 30 milhões, destes, 1,6 milhões eram de imigrantes. Cientistas da época apontavam para um país miscigenado, cujas populações indígenas e negras desapareceriam até 2012. Estes eugenistas reforçavam a exclusão das populações negras e indígenas do país, impondo a pobreza e o extermínio. Nessa “crise de identidade” do povo brasileiro, nós temos Monteiro Lobato criando o Jeca Tatu – um personagem que inicialmente é tratado como uma praga que assolava o país – resultado da briga de Monteiro Lobato com funcionários de sua fazenda. Posteriormente, o personagem ganha nova conotação, representando o caipira, um sujeito abandonado pelo poder público, um símbolo da brasilidade.
De fato, diversos grupos sociais tinham algo em comum, tanto no campo como na cidade – a decepção com a República. A década de 1920 é mais urbana do que as anteriores, as metrópoles brasileiras começam a se formar, como a capital Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, a urbanização mostrava que havia mais elementos em comum entre as populações urbanas e rurais do que diferenças. Dentro do grupo das elites intelectuais, percebe-se um questionamento a própria cultura tradicional do país, e consequentemente nós temos uma busca pelo rompimento com esta cultura elitista tradicional, representada pela Academia Brasileira de Letras e personagens famosos como Machado de Assis, Graça Aranha, Oliveira Lima, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco. Uma nova elite artística e intelectual estava se formando longe da Academia, muitas vezes se reunindo em bares e livrarias do Rio de Janeiro.
Em 7 de Setembro de 1922 o país comemorava o centenário da sua independência, o rádio era inaugurado pelo presidente Epitácio Pessoa e na Avenida das Nações, diversos “palácios de honra” das nações estrangeiras homenageavam o Brasil. A exposição mostrava um misto das riquezas naturais do Brasil e das possibilidades tecnológicas deste novo mundo. Se a exposição agradou a população em geral, com uma média de 14 mil pessoas por dia no mês de fevereiro (considerado o mais fraco para a visitação devido ao calor), ela não teve impacto no futuro do país, ao contrário de outro movimento que havia acontecido meses antes no estado de São Paulo, que na época representou uma baixa popularidade, mas plantou as raízes para uma profunda mudança, falamos da Semana de Arte Moderna de 1922.
A Semana da Arte Moderna, representava diversos movimentos modernistas, que em geral, buscavam uma nova linguagem e visão sobre o Brasil. Especificamente, a Semana da Arte Moderna ocorreu entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, reunindo intelectuais como Oswald e Mário de Andrade e artistas como Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos entre outros. A pauta era a crítica à importação de movimentos artísticos e teorias estrangeiras e a construção de um novo ambiente artístico e cultural, adotando as novas correntes europeias, mas adaptando-as a realidade brasileira. A inserção de uma cultura afro-brasileira e indígena como uma grande miscigenação típica do Brasil, acentuou, na verdade, uma reparação as minorias excluídas. Em São Paulo, por exemplo, nós percebemos uma busca pela positivação do bandeirante, que se torna herói de uma raça (brasileira) mesmo sendo um personagem histórico responsável pelo aprisionamento e extermínio de populações indígenas e de escravizados fugidos, como os do Quilombo de Palmares. A exaltação do país mestiço como presente na obra de Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) apazigua a diferença racial brasileira, afirmando uma teoria racial de mestiçagem. Apesar de manter a crítica a exclusão social na época colonial, Freyre destaca a escravidão no Brasil como um elemento cultural mais apaziguado, ou seja, havia uma romantização da escravidão brasileira, como não sendo tão violenta quanto outros lugares e momentos da humanidade.
No cenário político, as elites de São Paulo e Minas Gerais continuavam ditando as regras. Com o presidente eleito Rodrigues Alves morrendo em decorrência da gripe espanhola e seu vice Delfim Moreira considerado incapaz, as elites da política do café com leite colocaram um paraibano, Epitácio Pessoa na presidência em 1919. Ele estava fora do país, nas reuniões da Liga das Nações e na resolução do tratado de Versalhes após a Primeira Guerra Mundial, tinha conseguido importantes indenizações aos cafeicultores, esses elementos permitiram a sua indicação para a presidência. Para o próximo mandato, as elites de São Paulo e Minas Gerais indicaram Arthur Bernardes (presidente de Minas Gerais), porém a máquina eleitoral mostra que a força política dos militares havia crescido – afinal eles apoiaram a formação da “Reação Republicana” representada por Nilo Peçanha, ele teve apoio dos estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Mesmo vencendo, Arthur Bernardes é denunciado através do episódio das Cartas Falsas, nos quais aponta que Arthur Bernardes atacava as forças armadas. Esse movimento militar que se inicia fica conhecido como Tenentismo, isto porque grande parte dos oficiais do exército eram de baixa patente (21,3% capitães e 65,1% tenentes). De maneira geral, o grupo denominado de Tenentes, participava da política como uma representação militar que buscava derrubar as oligarquias regionais, industrializar a economia e inserir suas pautas liberais em relação a sociedade, como o combate as desigualdades e ao analfabetismo.
O Clube Militar voltava ao cenário político brasileiro, desta vez sob o comando do ex-presidente Hermes da Fonseca. Em 2 de julho ele (Hermes) é preso por tentar intervir numa ação de repressão do exército em Pernambuco. Essa ação é condenada pelo movimento tenentista alocado no Forte de Copacabana e em 5 de julho eles iniciam uma Revolta. Ao não conseguir o apoio de outros fortes, o líder do movimento e filho do marechal Hermes (Epitácio da Fonseca) acaba se rendendo, porém, 29 deles, 24 militares e cinco civis decidem prosseguir para enfrentar as tropas legalistas. Apenas 18 continuam – daí o nome deste levante de – A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Deste confronto apenas dois revoltosos sobrevivem, Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Este movimento não será esquecido e dois anos depois eclode em São Paulo e chamada “Revolução Paulista”, onde a cidade foi ocupada por 21 dias. Outra ação tenentista ocorre em Manaus, causada pela crise econômica em razão da crise da borracha mas também em apoio ao movimento paulista.
Arthur Bernardes encontraria no fim do seu mandato um desafio ainda mais intenso. Os tenentistas iniciam outros levantes em 1925, desta vez concentrando suas ações em São Paulo, através de liderança de Miguel Costa e no Rio Grande do Sul com Luís Carlos Prestes. As pautas gerais desta ação se concentravam na derrubada de Arthur Bernardes e na aplicação do voto secreto, reforma do ensino público através da sua obrigatoriedade e moralização da política. Em Foz do Iguaçu, os tenentistas que restaram do movimento paulista encontram-se com rebeldes do Rio Grande do Sul, que haviam se revoltado nos quartéis de fronteira – resultado da Guerra Civil Federalista de 1923 – um conflito entre partidários de Borges de Medeiros (Chimangos) e seus opositores (Maragatos). O encontro dos tenentes paulistas e gaúchos resulta numa estratégia de combate em movimento, organizada por Luís Carlos Prestes, que passa a ser a principal figura de liderança do levante.
Entre 1925 e 1927 a chamada “Coluna Prestes” percorreu mais de 25 mil quilômetros, atravessando doze estados brasileiros e angariando a admiração dos setores da classe média urbana, que se juntavam a coluna como voluntários e consideravam Luís Carlos Prestes o Cavaleiro da Esperança. A Coluna Prestes tinha um núcleo fixo de 200 homens, mas em alguns momentos de sua marcha, chegou a ultrapassar os 1500 membros. A reação dos moradores locais por onde eles passavam é ambígua. Da mesma forma em que eram saudados como libertadores e heróis, as ações arbitrárias de arrebanhamento de cavalos, confisco de remédios, ataduras e alimentos, provocavam descontentamento a muitos. Os tenentistas tinham como objetivo movimentar-se com rapidez evitando o confronto direto, o que fortaleceria a sua ação como um protesto armado invencível. De certa maneira, ao fazer um trajeto que cruzava o centro do país por duas vezes, desfazendo-se na Bolívia, nós podemos apontar uma vitória da Coluna Prestes. O relato do general Dutra (presidente entre 1946-1950) é de que a maioria dos militares enviados para o confronto com os tenentistas tinham a ideia de deixá-los passar.
A Coluna Prestes não afetou o poder político de Artur Bernardes, que através da política do Café com Leite, consegue eleger o seu candidato Washington Luís. Ao assumir a presidência em 15 de novembro de 1926, Washigton Luís implementa uma política de reforma financeira, desvalorizando o mil-réis, aumentando o lucro dos cafeicultores e descontentando os importadores. O seu ministro da fazendo era Getúlio Vargas, um político ascendente no Rio Grande do Sul, que mesmo sem saber economia, era um personagem importante para a aliança da elite do café com os gaúchos. A sua política de “abrir estradas” como as obras da Rio-São Paulo e Rio-Petrópolis e sua indicação de Júlio Prestes para as eleições de 1930, abrirão novos caminhos para a República brasileira, onde uma aliança entre as oposições buscava, assim como os tenentistas, a mudança política brasileira, mas desta vez, sua ação seria através do voto.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; SPACCA, João. Triste República: A Primeira República Comentada por Lima Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.