Após negar sua aliança com Getúlio Vargas em 1930, Luís Carlos Prestes partiria do Uruguai para a URSS, chegando em 11 de novembro de 1931. Prestes encontraria uma nação soviética que enfrentava a fome severa, devido às políticas de coletivização da terra feita por Stálin, evento que vai promover o que chamamos de uma política sem limites, o que havia criado um clima de guerra civil no país, com queima de lavouras e assassinato de milhares de cabeças de gado em retaliação à ordem de Stálin. A fome era severa e as deportações para a Sibéria também. Este é o contexto para os relatos do episódio Holodomor, um episódio histórico cheio de propaganda anticomunista e proposições negacionistas, nos quais podemos discutir noutro momento. De fato, a família Prestes (Luís Carlos embarcou para a URSS com sua mãe e suas quatro irmãs) passara por dificuldades alimentícias e até mesmo de banho, devido à grave crise alimentar e à cultura russa que não era muito chegada no banho diário. Apesar disso, relata-se que Prestes tenha tido um ótimo contato com os partidários soviéticos, principalmente com Dimitri Manuilski, que falava francês assim como Prestes – que não falava nada de russo, só para constar. Entre 1931-1934, Prestes trabalhou numa companhia estatal que trabalhava com a construção civil.
Neste ano de 1934, chegava uma comitiva do Partido Comunista do Brasil à URSS, onde, liderados por Jayme Miranda, foi exposto (com muita fantasia e/ou mentira) um quadro de avanço do PC no Brasil como nunca se havia visto. Os detalhes de Miranda quanto à condição favorável para a Revolução no Brasil iludiram Prestes e o Comitê internacional da URSS. E, assim, Prestes se despedia do seu amigo Dimitri Manuilski no final de 1934, mesmo sob pedidos de cautela feito pelo seu amigo russo. Ah é, Prestes só seria aceito no Partido Comunista pouco antes de embarcar para sua jornada revolucionário no Brasil. Junto com Luís Carlos Prestes, partiam para o Brasil uma comitiva internacional, composta pelo argentino Rodolfo Ghioldi, o Índio, e o alemão Arthur Ernst Ewert, o Harry Berger, além de suas esposas Carmen Alfaya de Ghioldi e Elisa Saborovski Ewert, a Sabo. Segundo Reis (2014, p. 254) havia outros;
“Viriam ainda Victor Allen Baron, o Raymond, jovem norte-americano, especialista em comunicações, com a missão específica de montar um rádio emissor-receptor em condições de estabelecer contato regular com Moscou; Amleto Locatelli, o Bruno, italiano, que já executara missões na Espanha; Johann Heinrich Amadeus de Graaf, o Franz Paul Gruber, perito em explosivos, também com a mulher, Erna ou Erika Gruber, a Lena; Pavel Vladimirovich Stuchevski, que se ocuparia das finanças, e sua mulher, Sofia Semionova Stuchevskaia, sob o codinome de Léon-Jules e Alphonsine Vallée.“
Opa, eu sei, se você viu o filme deve estar mais curioso ainda, pois onde está a Olga? Claro, ela foi nesta comitiva, ela era uma agente treinada pelo chamado IV exército soviético, sua missão, proteger Prestes!
É necessário falar de Olga Benário, afinal, temos um filme sobre ela que aborda muito bem o período, assim como a sua própria história, mas, claro, há ressalvas. O filme ainda é um produto da Indústria Cultural, por isso, dentro da sua narrativa e estética, há um direcionamento para o romance, o drama e alguns esquecimentos, como o debate político da época. Desta forma, o filme não pode ser tratado como uma fonte histórica substitutiva do nosso texto sobre o período.
Olga Benário nasceu em Munique, filha de um prestigiado advogado judeu, Leo Bernard, que, como social-democrata, ajudava muitos trabalhadores em seus processos contra os abusos dos patrões. Neste cotidiano, Olga observava atentamente as ações do seu pai, que certamente a inspirara a tomar uma atitude mais radical, e, assim, aos quinze anos, Olga entra para uma célula comunista ilegal em Munique no ano de 1923. A Alemanha que transformou Olga numa ativista comunista é aquela da hiperinflação e da fome, que a crise econômica, como a desvalorização da moeda alemã e a tomada francesa da indústria de carvão alemã, causara. Suas ações a fazem progredir dentro do Partido Comunista Alemão, e, em 1928, ela estava em Berlim, onde acabaria liberando seu namorado na época, Otto Braun, dentro do seu próprio julgamento, já que ele corria o risco de ser acusado de alta traição, mesmo não sendo um ativista muito perigoso. Essas ações permitem a Olga viajar para a URSS, onde ela mesma terminaria seu namoro com Otto, devido ao seu ciúme e sentimento de posse. Dedicada ao treinamento militar e ideológico que recebia, Olga escuta falar de outros comunistas da Internacional, relatos (exagerados) sobre a Coluna que desafiou o governo brasileiro, percorrendo milhares de quilômetros sem perder uma batalha. Eles se referiam à Coluna Prestes, e mal sabia ela que este cara estava lá, frequentando provavelmente o mesmo refeitório.
E assim quis o destino, Olga se tornara responsável pela segurança de Prestes na sua partida para o Brasil e ação revolucionária. A ideia foi sair da URSS pela Finlândia, passando pelos Países Baixos e pela Bélgica, onde Olga Sinek (seu codinome) pegaria os novos passaportes, algo que ela só vai conseguir quando se desloca para Paris. Agora com os novos passaportes, o casal Antônio Vilar e Maria Bergner Vilar viajaria pela França em lua de mel. Algo que Olga (responsável pela documentação) decide é partir para os EUA, onde “esquentaria” a documentação. É neste momento que os dois se aproximam muito mais: a lua de mel começaria no transatlântico, onde Prestes afirmaria que Olga seria sua primeira mulher, e terminaria em Nova Iorque, onde eles fariam um passeio romântico, mantendo muito bem o disfarce. Ah, Olga e Prestes se comunicavam em francês, língua que ambos dominavam.
A chegada ao Brasil ocorre em março de 1935, por um avião francês de correios, que partiria de Montevidéu com previsão de chegar em São Paulo, mas um pouso imprevisto em Florianópolis facilitou a ação de Olga, que preferiu continuar a jornada para o Rio de Janeiro de táxi, passando por Curitiba e São Paulo, onde chegaram em 17 de abril de 1935. Impacientes com as ações do PC no Rio de Janeiro, Olga e Prestes foram de táxi para o Rio de Janeiro, mostrando certa inexperiência com ações clandestinas. Ambos foram armados e, no primeiro posto policial, tiveram a arma apreendida — a sorte é que o Brasil já era um país movido pelo classismo, e a aparência de ambos fez o policial preferir pedir um suborno a ter que prender os dois.
É importante ressaltar uma coisa: pode ser que, em algum momento, você se depare com a expressão de que a ANL era uma frente comunista, ideia perpetrada por Vargas. Mas ela não era. Ressalto que a ANL era uma frente popular, que visava vencer as eleições dentro das regras democráticas. O Partido Comunista Brasileiro era infimamente menor, apenas a figura de Luís Carlos Prestes detinha tamanho prestígio; os comunistas eram um grupo minoritário dentro da ANL. Aliás, o próprio Prestes seria responsabilizado pelo fim da ANL como movimento legalista, pois, em 5 de julho, no aniversário dos levantes tenentistas de 1922 e 1924, ele envia um discurso para ser lido por Carlos Lacerda. No fim deste discurso, há os dizeres — Todo poder à ANL! Só para lembrar, na Revolução Bolchevique, os comunistas liderados por Lênin exclamavam — Todo poder aos Sovietes! É claro que um Getúlio Vargas, assustado com o crescimento vertiginoso dos participantes da ANL (estimados em 400 mil), usaria esse trecho como pretexto para colocar a ANL na ilegalidade — e entendamos que foi uma suspensão de seis meses. Ah, antes que eu esqueça, essa frase de Prestes vai deixar furiosos os seus antigos companheiros de Coluna, como Miguel Costa, mas sejamos sinceros: foi Getúlio Vargas o único responsável por isso.
Sobrava a Prestes seguir a proposição da Internacional Comunista e iniciar uma revolução popular. Porém, ao contrário das Frentes Populares que ganhavam espaço em países como o Chile, França e Espanha, a Internacional Comunista não havia realizado nenhuma revolução. Além disso, os melhores quadros soviéticos eram destinados para o Exército e setores de contraespionagem; restava para a Internacional Comunista uma organização bem improvisada e despreparada para a clandestinidade. Podemos ver isso na equipe da Internacional Comunista presente no Brasil, composta por muitos estrangeiros que, muitas vezes, nem sabiam português, viviam próximos e tinham empregados em comum, como o mesmo motorista e a mesma doméstica. Aqui há um ponto importante: o poder do PCB no Brasil era de Miranda, o líder do movimento comunista no Brasil, e muitas vezes ele e Prestes se desencontravam, dificultando qualquer ação conjunta dentro do partido brasileiro, pois Prestes não participava do Comitê Central do PCB, mesmo sendo reconhecidamente um membro do Partido Comunista da URSS.
O pequeno Partido Comunista vivia na clandestinidade, preparando brigadas, organizando trabalhadores e militares para que estes sustentassem uma revolução popular, como era esperado por todos. Em setembro de 1935 ocorreram eleições municipais, fazendo com que as rixas regionais (daqueles coronéis) aumentassem, enfraquecendo, de certa forma, o poder político local em algumas regiões. Neste contexto, começa, em 23 de novembro daquele ano, uma insurreição comunista em Natal, onde militares do 21º Batalhão de Caçadores iniciam o levante e conseguem tomar a capital do Rio Grande do Norte. Essa ação faz com que, em Pernambuco, se inicie, na madrugada do dia 24, um outro levante, do 29º Batalhão de Caçadores, que havia partido de Jaboatão dos Guararapes para tomar a capital, Recife. Enquanto as notícias chegavam, Prestes, Miranda, Berger, Ghioldi e também Locatelli reuniam-se numa casa improvisada (não havia móveis) para debater as ações a partir do Comitê Central. Aqui temos um grande problema: enquanto Getúlio Vargas era informado das insurreições de forma atualizada e tomava as ações com base nessas informações — como decretar estado de sítio e mobilizar as Forças Armadas —, Prestes e os demais se baseavam apenas nas informações da imprensa, completamente “cegos” quanto à real situação no Nordeste. É isso. Você já percebeu que as chances de um fracasso são imensas.
Era sábado à noite, 24 de novembro de 1935, e o Comitê Central do PCB reunia-se e debatia se eles apoiariam a ação que iniciara no nordeste ou ficariam imóveis. Nesse momento, Luís Carlos Prestes argumenta que uma ação revolucionária poderia resultar em vitória ou derrota, e nenhuma ação resultaria somente na derrota. Todos apoiaram a decisão e marcaram o início das operações para a madrugada do dia 27 de novembro, uma quarta-feira. A ideia era a seguinte: tomar a Escola de Aviação Militar, mas a ação fracassa quando eles são cercados, e invadir o Palácio da Guanabara (sede de governo) a partir do 3º Regimento de Infantaria, mas eles demoram a tomar os quartéis e logo começam a ser bombardeados por aqueles aviões da Escola de Aviação Militar que não foram tomados, e assim termina em um dia a tentativa revolucionária no Rio de Janeiro, lembrando que, neste mesmo dia, já havia sido derrotado os movimentos no nordeste. É isso aí, não teve greve geral conforme Miranda havia convocado, assim como as brigadas operárias nem se mexeram, enfim, provavelmente o PCB estava muito iludido por informações imprecisas sobre os movimentos e as adesões ao movimento, foi uma baita derrota.
Getúlio Vargas havia colocado o país em Estado de Sítio, e, com isso, diversas prisões arbitrárias começaram a ser feitas. Enquanto isso, o presidente lamentava as 22 mortes de militares nestes conflitos, enquanto comparecia ao enterro do major Misael Mendonça, carregando uma das alças do seu caixão. Essa ação aumentava a comoção em torno do levante, reforçando a falsa ideia de que muitos foram mortos enquanto dormiam, mesmo que investigações da polícia tenham indicado que nenhuma morte foi de fato ocorrida desta forma. Além disso, Vargas propagandeou o levante como Intentona Comunista, cuja palavra intentona vem do espanhol intentar, e era usada no Brasil para significar uma tentativa de golpe fracassada. Em dezembro daquele mesmo ano, Vargas vai criar uma Comissão de Repressão ao Comunismo, presidida pelo general Góes Monteiro, além de garantir que o Congresso colocasse o país em Estado de Guerra por 90 dias, aumentando ainda mais o seu poder. Ah, esse Estado de Guerra vai permanecer até o golpe do Estado Novo que Vargas vai realizar em 1937. Essas ações vão garantir que Getúlio Vargas consiga desmobilizar o PCB e todas as outras frentes opositoras que fizeram parte da ANL. Até porque o decreto permitia ao governo agir sem limitações, pois o Estado de Guerra suspendia os direitos individuais. Mais de 7 mil pessoas serão presas e muitas enviadas a navios-prisão da marinha, sendo que uma delas foi o escritor Graciliano Ramos, que escreveu a partir da sua experiência o livro Memórias do Cárcere, denunciando os atos de repressão feitos pela polícia política de Vargas.
E o que vai acontecer com os líderes do Levante Comunista? Ih, como você provavelmente já percebeu, o negócio não será muito bom para eles, pois todos serão capturados. Havia um espião dentro da Internacional Comunista, era Johnny de Graaf, que agia no treinamento de métodos de luta e informava o MI6 inglês sobre as ações dos comunistas. Ele vai entregar todo mundo, inclusive Prestes e Olga. No final de dezembro, a polícia política comandada por Filinto Müller já começa a prender as lideranças, como o casal Ewert Berger e Sabo, e posteriormente Victor Baron, o cara encarregado da comunicação com Moscou. O Brasil não tinha um serviço de inteligência como a Inglaterra, por isso, a tortura se torna um método de delação dos comparsas. Por exemplo, Berger e Sabo são espancados, e Sabo, inclusive, é estuprada na frente do marido e a ponta dos seus seios foi cortada. Já para Victor Baron, a tortura culminou em execução, mas a polícia o jogou do 3º andar da delegacia e chamou o caso de suicídio. Miranda e sua esposa Elza também foram presos, ele apanhou tanto que perdeu um rim, e Elza foi liberada após ter supostamente delatado os demais colegas. A sua saída da prisão, sem tortura e com permissão de visitação a Miranda, trouxe forte desconfiança ao Partido Comunista, que a interrogou e decidiu por sua execução em 6 de março de 1936. A execução de Elza por enforcamento é polêmica, pois mostra a violência presente dentro das diretrizes do partido, cuja traição era punida com a morte. Muitas vezes é imputado a Prestes a decisão pela sua execução, porém, o que se sabe é que ele escreveu apenas sobre a decisão que já havia sido tomada desta forma:
“Ou bem vocês concordam com as medidas extremas, e neste caso já as deviam resolutamente ter posto em prática, ou então discordam. Assim, não se pode dirigir o partido do proletariado, da classe revolucionária” (Prestes apud Reis, 2014, p. 434).
De fato, Prestes, chamado de anjo vingador, apenas exigiu que os executores tomassem a decisão por eles, já que o mesmo estava isolado no bairro do Méier, onde a polícia o buscava casa por casa. Aliás, foi nestes 40 dias em que Prestes ficou foragido com Olga no Méier que ambos tiveram a consolidação do amor que sentiam. Isolados numa pequena casa, cujo banheiro era no pátio dos fundos e só poderia ser acessado pela madrugada, ambos se aproximaram profundamente. E mesmo num carnaval marcado pela proibição do uso de máscaras, considerado muito sem-graça, Olga afirmou ter vivido seus melhores dias — e foi provavelmente neste período que ela engravidou. Esse momento está presente no filme Olga, em cenas onde ela ganha um vestido (na verdade, Prestes cortou o tecido, mas a costura final foi dela) e no momento da prisão de Prestes, onde é bem provável que ela tenha entrado na frente dele para protegê-lo do assassinato.
Chegou o homem. Assim escrevia Getúlio Vargas em seu diário no dia 27 de novembro de 1936, quando chegava ao Brasil o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt. Olhem que coincidência: neste mesmo dia nascia uma bebê no campo de prisioneiras alemão Barnimstrasse, Berlim – Alemanha. Para lá que Olga e sua amiga e companheira de luta Sabo ficariam até serem enviadas para o campo de concentração. A Olga era uma alemã judia e comunista. Mesmo grávida de um brasileiro, Getúlio Vargas, Filinto Müller e o STF fizeram questão de enviá-la para a Alemanha Nazista — uma sentença de morte para judeus e comunistas. Graças à avó Leocádia e às irmãs de Prestes, que a menina nascida na prisão pôde ser enviada para a avó após Olga não conseguir mais amamentá-la, a separação de mãe e filha será lamentada por Olga até seus últimos momentos de vida, quando envia sua última carta para Prestes antes de ser enviada à câmara de gás do campo de extermínio de Bernburg.
O comunismo foi destroçado por Vargas, porém, ele ainda deveria permanecer como o grande inimigo da nação, pois Getúlio Vargas, apoiado pelo alto comando militar, mantinha o Estado de Guerra no país, articulando um golpe de Estado para manter sua permanência no poder. Enquanto isso, Vargas negociava abertamente com alemães, italianos e estadunidenses, numa política ambígua, na qual era influenciado para o lado fascista pelos seus generais e, de forma oposta, por seu ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha. O ano de 1937 chegava, e Getúlio prorrogava o Estado de Guerra, usando até mesmo a morte da sua mãe, Candoca, como estratégia para forçar o Congresso a conceder mais 90 dias. Já estava bastante claro dentro do governo que as eleições previstas para 3 de janeiro de 1938 não iriam acontecer.
MORAIS, Fernando. Olga. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
NETO, Lira. Getúlio: do governo provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). Vol. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. (Cap. 2).
REIS, Daniel Aarão. Luís Carlos Prestes: um revolucionário entre dois mundos. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.