A palavra comunismo vem do francês communisme, e esta palavra se origina do latim communis, que significa algo como “o estado de ser ou para a comunidade”. Essa origem etimológica da palavra, ou seja, o significado original, inspirou o uso do termo comunismo no final do século XVIII, quando em 1796 um grupo da extrema esquerda jacobina, liderado por Gracchus Babeuf, vai aprofundar a ideia revolucionária rompendo com os demais grupos revolucionários – como os girondinos e os próprios jacobinos. Ao se posicionar ao lado dos operários e buscar uma sociedade igualitária, Babeuf é considerado por muitos o precursor do comunismo na França. A conspiração dos iguais, no qual Babeuf fez parte, acabou sendo desmembrada e o próprio foi morto pelo governo. Um dos sobreviventes, chamado de Filippo Buonarroti (era descendente de Michelângelo) que havia sido preso no processo, vai manter parte das ideias de Babeuf, que resumidamente era a busca por uma sociedade igualitária a partir de uma revolução.
Um dos grandes pensadores do comunismo no século XIX, Engels, vai expressar o comunismo desta forma:
” É um sistema segundo o qual a terra deve ser um bem comum dos Homens. Cada um deve trabalhar e produzir de acordo com as suas capacidades e gozar e consumir de acordo com as suas forças.”
Existiram movimentos organizados de trabalhadores antes do comunismo. Um deles era o Cartismo. Esse movimento foi decisivo para o surgimento do comunismo operário.
No berço da Revolução Industrial, movimentos de trabalhadores já se organizavam desde 1792, como a London Corresponding Society, uma organização que buscava mudanças, como a redução da jornada de trabalho, a igualdade de representação e o fim/redução dos impostos. Os líderes do movimento acabaram sendo perseguidos e presos nos primeiros anos da organização.
Foi a partir da Reform Act – em 1832 – onde uma ação da burguesia inglesa buscou expandir o voto entre homens adultos da classe média, que o operariado inglês sentiu-se ainda mais excluído das políticas do Reino Unido, pois eles ainda não teriam direito ao voto, não podendo participar ativamente das eleições. Desta forma, a massa trabalhadora vai engrossar o movimento criado por Feargus O’Connor e William Lovet conhecido como Cartismo. Esse movimento se origina de uma petição conhecida como Carta do Povo, esta foi apresentada ao Parlamento em 1838, contendo seis pontos importantes para a reivindicação operária;
A partir daí, o movimento ganha força, e no ano de 1842 grandes manifestações e greves gerais são organizadas após a negação das suas propostas. A pressão exercida a partir do movimento cartista acabou resultando em algumas conquistas, como a redução da carga horária de trabalho para 10 horas, aprovada pelo parlamento inglês em 1847.
O movimento estará bastante enfraquecido em 1848 – ano da Primavera dos Povos – porém, seu legado será na influência da estruturação das sociedades capitalistas em geral, através da redução da jornada de trabalho e do sufrágio universal secreto. Além disso, o Cartismo vai antecipar o debate acerca das ações do movimento operário, seja pela ação reformista ou pela ação revolucionária.
Marx e Engels vão chamar as experiências anteriores ao surgimento do comunismo ou do socialismo científico como chamavam, de Socialismo Utópico. Segundo eles, o socialismo utópico se originou numa fase onde o capitalismo não estava plenamente desenvolvido, de forma a não permitir uma forma de ação diferente das propostas feitas por estes socialistas utópicos. Os utopistas como Saint Simon, Fourier e Owen existiram porque tiveram que tirar da sua própria cabeça os elementos de uma nova sociedade. Porém, o socialismo utópico vai perdurar na França a partir de pensadores que contemporâneos dos comunistas que não se pensavam como tais, os comunistas (materialistas ou socialistas científicos) vão criticar a postura de socialistas que não pensavam na luta de classes, como Proudhon. Saint-Simon foi um pensador francês classificado por Engels como precursor do socialismo. Para Simon, os seres humanos devem trabalhar, porque somente através do trabalho você deveria ter o direito de usufruir dos bens da sociedade. Assim, os trabalhadores deveriam lutar contra os ociosos através da luta de classes.
Com Fourier, nós vamos observar uma crítica a sociedade e as condições sociais, provocada pela superabundância dos ricos. Para isso, ele expôs as trapaças e contradições do comércio francês. Ele será o primeiro a declarar que o grau de emancipação geral de uma sociedade pode ser medido pelo grau de emancipação da mulher.
Por fim, nós temos Robert Owen, que foi um dono de fábrica inglês que ao observar as condições dos trabalhadores, buscou unir teoria e prática. Owen transformou as relações de trabalho no interior de uma de suas empresas. Nessa fábrica modelo (com 2500 funcionários) ele vai promover pagamentos de salários em épocas de crise, assim como vai diminuir a jornada de trabalho para 10 horas e meia (eram em média 14horas). Além disso, ele vai criar creches e escolas para as famílias dos operários. Ao continuar tendo lucro, Owen vai afirmar que o lucro através da exploração do trabalho só serviria para financiar a classe aristocrata e os conflitos provocados por ela (como as guerras).
Owen vai expandir suas ações criando espécies de “colônias comunistas”, deixando de ser um famoso filantropo entre os burgueses, sofrendo um grande silenciamento no mundo burguês. Essa exclusão dada a Owen trará consequências as suas experiências, fazendo estas fracassarem, levando-o a falência. Apesar disso, a sua luta vai obrigar o Parlamento britânico a limitar o trabalho das mulheres e crianças nas fábricas. Segundo Engels o “socialismo é, para os utopistas, expressão da verdade e da razão, da justiça absoluta que conquistará o mundo pela força de sua própria virtude.”
Karl Marx é o grande pensador do comunismo, junto ao seu sócio da vida (como considerou Engels desde os primeiros debates) ele vai elaborar um conjunto imenso de obras que desenvolverão grande parte da base teórica comunista (ou do socialismo científico) presentes até hoje.
Marx vai nascer em Trier, uma cidade da região da Renânia, que em 1818 pertencia a Prússia. Filho de judeus obrigados a se converterem ao protestantismo – devido a profissão do seu pai (advogado) que impedia de exercê-la na condição de judeu. Karl Marx não seguiria o judaísmo tampouco o protestantismo. Seguindo os passos do pai, Marx vai cursar direito na universidade de Bonn, em 1835, porém, é lá que ele vai se deparar com a Filosofia a partir das leituras que ele faz de Hegel. Resumidamente, Hegel introduz a partir da sua Dialética (diálogo em grego) uma perspectiva que considerava os objetos e suas representações intelectuais – as ideias – sempre em movimento, do seu desenvolvimento até o seu fim. Em outras palavras, os opostos alcançam uma resolução, como mostrarei nesse exemplo:
Hegel diz que o espírito alcança um entendimento cada vez mais preciso sobre si mesmo a partir da Dialética – que é o antagonismo entre uma Tese e Antítese, que através desta oposição dará origem a uma Síntese. esta vai se transformar numa tese e encontrará sua antítese, se transformando noutra síntese. Esse processo vai continuando até que o espírito alcance o seu estágio absoluto, onde o estágio da consciência não pertença aos indivíduos, mas a realidade como um todo. Então, Hegel vai afirmar que esse processo de contradição e resolução impulsiona o progresso do pensamento e da sociedade. Assim, a realidade é moldada por ideias e que a dialética é a maneira pela qual o espírito humano se desenvolve, alcançando uma compreensão mais profunda da sociedade. Para ele, o Estado é a razão em si e para todos – ou seja – Hegel é um idealista.
Estudando em Berlim, Marx vai noivar com Jenny (que pertencia a uma tradicional família católica) cujas famílias eram velhas conhecidas em sua cidade natal, Trier. Nesse contexto, nós temos Marx migrando para a Filosofia, e com a morte do seu pai, ele vai aprofundar ainda mais os seus estudos, terminando seu doutorado em 1841. Nós já podemos perceber nessa época, que Marx mostrava uma linha de pensamento em que a base de tudo são as situações realmente vividas, ou seja, é a Realidade social que determina a nossa consciência – Marx é um materialista.
A postura intelectual de Karl Marx (crítica ao governo) o impede de se tornar professor acadêmico, forçando Marx e se juntar a um jornal de Colônia, a Gazeta Renana. Neste tempo, Marx casa-se com Jenny e é na sua Lua de Mel que ele inicia a sua concepção Dialética.
Na introdução da sua obra – Crítica da Filosofia de Direito de Hegel – que Marx nos mostra pela primeira vez que o problema do mundo não é o Estado, é o capitalismo. Para ele, o mundo está dividido em classes sociais. Nesta obra também está presente a famosa expressão – A religião é o ópio do povo, que faz parte de uma construção de pensamento no qual Marx afirma que o Estado não é a razão e a religião não é o melhor sentimento do mundo, pois ela é um remédio contra as violências impostas pela sociedade capitalista, mas não é a cura, assim como o Estado. A cura é a luta de classes! A Gazeta Renana acaba sendo fechada. O Imperador prussiano era contrário à postura crítica do jornal e aos judeus que trabalhavam nele. Em 1843 Jenny e Marx vão para Paris onde junto de Arnold Ruge, vão fundar uma revista.
Em Paris, Marx vai receber um texto para publicação de um artigo na sua revista – o texto era – A situação da Classe trabalhadora na Inglaterra. O autor desse texto era o filho de um industrial alemão, Friedrich Engels. Ele estava estudando a classe trabalhadora inglesa, onde trabalhava como gerente de uma indústria e namorava uma operária radical chamada Mary Burns. Ela compartilhava a sua ideia de luta e apresentava a Engels a realidade de operariado inglês.
O encontro com Engels faz Marx perceber que nessa sociedade de classes há um “ser” social – o proletariado, a classe trabalhadora – ela seria capaz de acabar com a sociedade burguesa. A partir daí, ambos vão elaborar o formato final do seu método científico – o Materialismo Histórico-dialético.
É uma teoria materialista, pois entende que é o ser humano que constrói a sua história, através da sua relação com a natureza. Portanto, existem duas ciências, a Ciência História e a Ciência Natural. Para a libertação do ser humano, Marx e Engels vão focar na Ciência História. Materialista é o comunista, pois este para revolucionar o mundo, deve enfrentar e transformar o estado de coisas por ele encontrado. A diferença com o idealismo é que no materialismo os pressupostos para o entendimento do mundo não são idealizados como propunha Hegel, onde o Estado era a razão de tudo. Aqui, há uma grande inversão, pois são os indivíduos reais, suas condições materiais de vida, tanto as que eles já encontraram como as que produziram. São esses pressupostos (objetos de análise) que podem ser observados empiricamente.
Em 1845 Marx vai acabar sendo expulso de Paris, em razão da sua revista, e por isso, vai acabar se mudando para Bruxelas na Bélgica. Lá, havia muitos refugiados políticos socialistas. Engels se junta a Marx e desta forma, ambos passam a agir, tentando criar uma rede revolucionária através de um Comitê de Correspondência Comunista. Eles acabam estendendo a rede para Paris e aliando-se à Liga Inglesa. Nesse contexto o Materialismo Histórico Dialético amadurece, e podemos perceber isso através da obra – A Ideologia Alemã – escrita por ambos em 1847.
Segundo o Materialismo Histórico-dialético, os humanos vão se diferenciar dos animais quando começam a produzir os seus meios de vida. Assim, as pessoas produzem, mesmo que de forma indireta, a sua vida material. A forma como o ser humano vai produzir depende da realidade encontrada. Por isso, nós somos determinados (somos o que somos) a partir da nossa realidade material (nossas condições de produção).
O pressuposto de partida para o materialista não pode ser fruto da imaginação ou da idealização de algo. As pessoas são reais, suas ações e condições materiais de vida (tanto as que recebemos como as que produzimos). Desta maneira, somos vivos e atuantes e por isso, não devemos iniciar uma observação científico-filosófica a partir de apriorismo da consciência. O ponto de partida deve ser sempre o ser social, não uma abstração e sim, uma atividade concreta e objetiva.
Então, a História é uma sucessão de gerações que herdam e transmitem os materiais, os capitais e as forças de produção. Não é dizer que eventos históricos podem irromper em outros (tipo, a “descoberta” da América facilitou o surgimento da Revolução Francesa), pois isso tornaria a História como uma pessoa ao lado de outras pessoas. A História segundo a concepção materialista, deve abordar o sujeito e suas relações produtivas, até porque as pessoas são auto producentes, ou seja, elas têm a capacidade de trabalhar. E esse é o seu primeiro ato histórico – produzir meios para satisfazer suas necessidades.
A Dialética sob a forma materialista, é a observação histórica das contradições entre as forças produtivas e a forma de intercâmbio (trocas comerciais). As rupturas e colisões entre as forças produtivas e as formas de intercâmbio são originadas através destas contradições.
Junto com isso, Marx e Engels vão perceber que as forças produtivas e os meios de intercâmbio criam as condições da sociedade, como a divisão do trabalho, a propriedade privada dos meios de produção, a divisão de classes, e que com as máquinas e o dinheiro, as forças de produção tornaram-se forças de destruição. Essas condições fizeram surgir uma classe social que tem de suportar todos os fardos da sociedade sem usufruir das suas vantagens. É por estas razões que esta classe (no qual pertence a maioria das pessoas da sociedade) tem a capacidade de desenvolver a consciência da necessidade de uma Revolução Radical, inspirando outras classes que testemunham a sua condição.
A Revolução é a única ação possível para retirar a classe dominante, não somente porque esta classe detém o poder prático-idealista na forma do Estado, mas também porque numa necessidade de criar uma transformação massiva na consciência humana, ela só seria possível na forma prática, através de uma Revolução, onde haveria a possibilidade de fundação da Nova Sociedade.Se nas revoluções anteriores, a forma de atividade permaneceu intocada, houve apenas uma forma de distribuição do trabalho, a Revolução Comunista deve suprir essa relação de trabalho, superando a dominação de classes, até porque, a classe responsável pela causa revolucionária nem é reconhecida como classe na sociedade.
As ideias dominantes de determinada época, são as ideias da classe dominante, pois ela tem os meios de produção material e os meios de produção espiritual (política e religião). Quando a aristocracia dominava, apareciam conceitos como honra, fidelidade… com o domínio burguesia, prevalecem conceitos como liberdade, igualdade… A luta radical deve buscar a negação de toda a forma de condições já existentes, como a dominação de classes.
Os contatos de Marx e Engels com grupos políticos ativos em prol dos trabalhadores, resulta no convite a ambos pela Liga dos Justos em 1846, e no meio de uma crise organizacional, a Liga dos Justos vai se reformular em 1847, transformando-se na Liga dos Comunistas, com Marx e Engels fazendo parte da nova direção.
A Liga dos Justos era composta por trabalhadores, muitos deles artesãos e alemães exilados em Londres, Bruxelas e Paris. O slogan da Liga era “Todos os Homens são irmãos” daí ao aceitarem as concepções de Marx e Engels e adotarem o comunismo, o próprio slogan se transforma no Manifesto; “Proletários de todos os países, uni-vos!”
Marx vai ocultar a sua autoria no Manifesto Comunista, falando que houve uma construção coletiva, porém ele foi o principal autor da obra. O Manifesto Comunista é uma sumarização das produções anteriores do próprio.
O Manifesto é um documento para divulgação aos trabalhadores, desta forma, ele se apresentou como um guia de estudos do próprio pensamento de Marx. Num primeiro momento, há uma construção histórica que mostra que em grande parte da História, houve uma Luta de Classes, por isso, aparece no Manifesto as classes burguesa e proletária.
O proletariado foi forçado a se constituir como classe, e será através de uma Revolução que ela se tornará a classe dominante, acabando com os antagonismos entre as classes fazendo surgir uma associação cujo livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.
Dentro do Manifesto, há também um posicionamento político que define os comunistas como um dos tantos grupos (partidos operários) que lutam em prol do proletariado. A diferença consiste em que os comunistas são internacionalistas, ou seja, os interesses comuns do proletariado sempre vão prevalecer em relação aos interesses nacionais. Outro ponto é que os comunistas são materialistas, ou seja, eles compreendem as condições, finalidades, ou melhor, dos fins gerais do movimento proletário a partir das suas proposições teóricas. Os objetivos dos comunistas é criar a consciência em relação aos antagonismos de classe, onde os proletários possam transformar as suas condições sociais e políticas, numa força capaz de derrubar a burguesia. Os comunistas (como apontado no Manifesto) apoiam qualquer movimento Revolucionário contra a ordem social e política existente. O último parágrafo do Manifesto será colocado aqui, pois ele representa a AÇÃO POLÍTICA dos comunistas no alvorecer da Primavera dos Povos.
“Os comunistas se recusam a dissimular (ocultar) suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à ideia de uma Revolução Comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar.”
Proletários de todos os países, uni-vos!
Além do questionamento sobre quem eram os comunistas, o Manifesto responde a algumas ideias demonizadoras que persistiam e persistem até hoje sobre o movimento.
Sobre o Fim da Propriedade Privada?
O comunismo prega a abolição da propriedade burguesa, ou seja, da propriedade privada dos meios de produção, que é um instrumento de exploração do trabalhador assalariado. A propriedade pessoal, aquela conquistada pelo mérito, do proletário, do pequeno burguês e do pequeno camponês, esta abolição não é um objetivo comunista, esta propriedade quem aboliu e continua abolindo é a própria propriedade burguesa. Nestes trechos estão aparecendo os conceitos de Capital e Trabalho, temas aprimorados por Marx posteriormente.
Sobre o Fim da Família?
Os comunistas criticam a estrutura familiar imposta pelos burgueses aos proletários. Seja a partir da exploração do trabalho, que permite que pais explorem suas crianças, e também sobre a educação social, que é realizada a partir da classe dominante. O comunismo também critica a educação puramente doméstica, pois o discurso burguês de família e educação é repugnante na medida que é a indústria que destrói os laços familiares dos proletários e transforma suas crianças em simples artigos de comércio e/ou artigos de trabalho. Além disso, para a burguesia, a mulher é apenas um instrumento de produção. O casamento burguês é na realidade a comunidade das mulheres casadas.
O Comunismo quer abolir a Pátria?
No comunismo, o proletário não tem pátria. Esse conceito de ideia de Nação é uma posse burguesa. Ela que controla o poder da Nação/Estado. O próprio capitalismo com o mercado mundial e com a padronização dos produtos industriais, além das condições sociais (exploração do trabalho) contribuem para o fim das Nações. Porém, o comunismo aceleraria ainda mais esse processo de desconstrução patriótica, pois se a exploração das pessoas desaparecer, a própria exploração entre nações desaparecerá.
O Comunismo combate os Valores Tradicionais?
A acusação consiste em que o comunismo quer abolir a religião, a moral, a filosofia, ou melhor, as ideias filosóficas, políticas e jurídicas, além das verdades eternas, como a liberdade e a justiça. Na verdade, esses elementos da sociedade foram construídos a partir de diversos antagonismos de classe, como o comunismo prega o desaparecimento destes conflitos, espera-se que haja um rompimento radical com relação as ideias tradicionais.
Como sabemos, a Primavera dos Povos não se consolida, há uma forte contrarrevolução, o que acaba desmobilizando fortemente os movimentos operários. Neste contexto, Marx vai para Londres, onde vai passar pela pior fase da vida, tanto pessoal quanto financeira. O fracasso da Primavera dos Povos vai se refletir em Marx e Engels, pois eles haviam participado ativamente do movimento, na cidade de Colônia (atual Alemanha). Marx havia utilizado todos os seus recursos financeiros, e após o fracasso, foi expulso da região, não conseguiu entrar em Paris nem Bruxelas, tornando-se um apátrida. Apenas em Londres ele pode encontrar refúgio. Lembro que na Inglaterra, a Primavera dos Povos não ocorre de maneira efetiva, havia uma grande concentração de capital na Inglaterra, o que permitia melhores condições a classe proletária.
Nesta década de 1850, a situação de Marx e Jenny vai passar por sua pior fase, principalmente devido as perdas familiares. Henrich, Guido, e Franciska vão morrer ainda bebês, para o caixão de Franciska, a família não tinha sequer dinheiro para o caixão, foi uma vizinha francesa quem emprestou.
Outra especulação gira em torno da partida de Jenny e suas filhas (Jenny, Laura e Eleanor) para a Prússia, que coincide com a gravidez de Helena (governanta da família). A paternidade teria sido “assumida” por Engels e a criança foi deixada para uma família de operários inglesa. Por isso o nome dado a criança foi Friedrich, e em sua vida adulta ele vai se tornar um ativista socialista e um dos fundadores do Partido Trabalhista Inglês. Eleanor (filha de Marx) vai conhecer Friedrich Demuth Lewis e a troca de correspondência entre ambos sugere um vínculo de amizade com a família Marx. Essas correspondências foram trocadas após a morte de Marx.
A maioria dos relatos de quem testemunhava a vida pessoal de Karl Marx aponta um carinho e preocupação muito grande dele com suas filhas e na educação delas. Posteriormente elas vão ajudar a Jenny(esposa) a traduzir os “rabiscos” de Marx, inclusive ele debatia com elas ativamente. Engels vai reconhecer em Eleanor uma capacidade de compreensão do pensamento materialista apenas visto em Marx após seu falecimento.
Apesar da situação econômica e familiar bastante precarizada na década de 1850. Karl Marx vai conseguir sobreviver fazendo alguns artigos (inclusive para o jornal Daily Tribune de Nova Iorque) e adiantando algumas heranças familiares. Nesse contexto, ele vai construir uma análise atualizada sobre os eventos políticos que ocorreram na Europa entre as décadas de 1850-1870. As horas de trabalho na biblioteca do Museu Britânico lhe permitiram analisar o Estado e a Burguesia. Em sua obra – O 18 de brumário de Luís Bonaparte – produzida em 1851, Marx vai observar que a burguesia é uma classe que concorre entre si, e por isso, pode não conseguir afirmar sua dominação geral de classe sobre a sociedade. Nesses momentos, ocorrem os golpes, como o de Luís Bonaparte, ou seja, o golpe contra a burguesia é a para salvar o capitalismo, para manter uma estrutura baseada na Propriedade Privada.
Nesse caso, o Bonapartismo, é uma forma de populismo, pois Luís era sobrinho de Napoleão, e ao se tornar Napoleão III em 1851, a partir de um golpe contra os burgueses, ele reivindica o apoio do campesinato, buscando uma retomada da tradição de vassalagem, de nobreza. Porém, mesmo controlando o Estado, a sua administração não vai conseguir transformar a sociedade ou a ordem social, pois seu governo estava estruturado sob um Estado capitalista. O Estado é um produto do capitalismo que sempre vai favorecer a burguesia. Marx analisa que ao se afastar da administração, a classe burguesa se fortalece ainda mais, pois consegue concentrar seus esforços para se recuperar (ou recuperar o poder) e aumentar a exploração do trabalhador. É nesta obra que Marx vai dizer que a História se repete duas vezes (Hegel dizia isto) só que a primeira vez se manifestou como tragédia (Napoleão) e a segunda como farsa (através do seu sobrinho).
No ano de 1871, por exatos 72 dias, existiu a Comuna de Paris, a primeira experiência de tomada de poder pela classe trabalhadora. Uma contrarrevolução acordada entre as classes dominantes da França e os prussianos, vai culminar num massacre de trabalhadores em Paris, onde estes já resistiam há um cerco de 5 meses (eles viviam uma grave situação de fome), além de terem de enfrentar uma força francesa reforçada belicamente pelos prussianos. As barricadas já não eram tão eficazes como em 1848, pois Napoleão III havia reformulado Paris, criando grandes avenidas, impedindo a formação destas defesas.
Karl Marx acusava Bismarck (primeiro-ministro da Prússia) do mesmo provocar as condições que levaram ao conflito contra Napoleão III, devido aos interesses imperialistas, ou seja, apenas para expandir os interesses econômicos dos capitalistas prussianos. Naquele 19 de julho de 1870 – dia em que Napoleão III declara guerra à Prússia – Karl Marx era um dos secretários da A.I.T. (Associação Internacional dos Trabalhadores) e havia se posicionado contra uma ação revolucionária do proletariado, por entender que não havia uma organização o suficiente para uma vitória.
O estabelecimento da Comuna de Paris, logo após a derrota francesa para a Prússia, será apoiado ativamente por Marx e pela AIT. É através da obra – A Guerra Civil na França – que nós verificamos uma análise de Marx sobre o conflito, sobre as condições que levaram a derrota do proletariado, sobre as denúncias de execuções aos communards por Adolphe Thiers, além da intensificação dos debates dentro da própria A.I.T principalmente entre Karl Marx e Bakunin (ativista anarquista). Este último era uma liderança importante dentro do grupo de anarquistas da A.I.T e a sua posição contrária a de socialistas reformistas e comunistas com relação a necessidade de Estado num primeiro estágio da revolução, vão acabar afastando os anarquistas da Primeira A.I.T. que acabará se desfazendo poucos anos depois. Na obra, Marx também aborda o ideal de República Burguesa, como um terror anônimo do domínio de classe, o que contraria o ideal da Comuna, que buscava a emancipação social através de uma República Social, que desapropria o capital e a classe dos proprietários rurais, garantindo a transformação social pela organização comunal.
Certa vez, o Partido Operário Alemão, composto de discípulos de Lassale (um importante socialista francês) convidou Marx a comentar sobre o programa do seu partido, nascendo daí a obra – A Crítica ao Programa de Gotha – onde Marx e posteriormente Engels, vão fazer inúmeras críticas ao programa, expondo algumas ideias sobre trabalho, governo e a concepção de liberdade e igualdade. Além disso, vão criticar fortemente a postura reformista do partido, que para eles, buscava se assentar num modo operandis burguês.
Esse momento é interessante, pois na obra percebemos um Karl Marx maduro, que expõe questões práticas sob uma futura existência de um Estado Socialista. Para Marx, entre o Estado capitalista e o comunismo, haveria um Estado Transitório onde ele utiliza uma rara conceituação de Ditadura Revolucionária do Proletariado (Marx só havia expressado esse termo quando escrevia na Gazeta Renana). Nesta fase, o trabalho ainda persiste como meio de sobrevivência assim como a divisão do trabalho, desta forma, haveria a necessidade de um fundo social, que distribuiria de maneira desigual a produção realizada a partir do trabalho, como a diferença de que não haveria uma classe vivendo da exploração deste trabalho. A fase superior do comunismo extinguirá a divisão do trabalho e o contraste entre o trabalho intelectual e manual, graças ao crescimento das forças produtivas. Só assim o direito burguês será superado e daí o lema – De cada qual, segundo a sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.
Marx já ensaiava um aprofundamento teórico no campo da economia deste a crítica a Proudhon em – A Miséria da Filosofia. Em Londres, ele teria acesso a diversas obras econômicas de Clássicos, como Adam Smith e David Ricardo. Entre 1857-1858 ele faz seus primeiros manuscritos econômicos – publicados como Grundrisse (manuscritos) – apenas a partir de 1941, pois eram um conjunto de rascunhos, escritos numa fase de extrema penúria econômica do próprio Marx, são estes rascunhos que deram origem a grande parte da sua principal obra – O Capital – cujo primeiro volume foi publicado em 1867.
A ideia de Marx era elaborar os estudos sobre o capitalismo a partir de diversos volumes, o primeiro e único publicado em vida, tinha como foco analisar o modo de produção capitalista do ponto de vista da produção. Os volumes II e III estavam inacabados, porém, Engels vai trabalhar em cima dos manuscritos, terminando ambos os volumes. O Volume II vai focar nas relações de troca, e o Volume III aborda as crises como produto das contradições do capitalismo e outras questões como o excedente sob a forma de juros. É interessante termos consciência que a década de 1860 vai representar para Marx o seu auge no ativismo e na produção intelectual, pois além de liderar a A.I.T nesse tempo, Karl Marx vai consolidar sua principal obra – O Capital.
Marx vai analisar o capitalismo do século XIX detalhadamente, os textos possuem um caráter complexo e cansativo, porém, a fundamentação teórica é poderosa – Marx vai utilizar o materialismo histórico dialético na sua produção.
No primeiro volume do Capital, Marx inicia a sua obra a partir da definição de Mercadoria. Eu não vou reproduzir todas as análises econômicas de Marx em suas obras (é impossível pra mim) apenas vou apontar as principais características da sua obra, sem qualquer pretensão além desta.
Quando ele observa o trabalho na História da Humanidade, ele (Marx) observa que a produção era uma resposta direta as necessidades sociais. Numa sociedade mercantil, o trabalho passou a ser privado, os produtores independentes desconheciam as necessidades sociais, o caráter social era reconhecido indiretamente por meio do Mercado. Desta forma, os produtos do trabalho se transformaram em Mercadoria.
A Mercadoria é um produto destinado a troca/venda no mercado. Esses produtos têm ao mesmo tempo um Valor de uso (satisfazer a necessidade humana real ou imaginária) e um Valor de troca (propriedade de ser trocada por outras mercadoreias segundo determinadas proporções)
Então, observamos que assim como a Mercadoria tem um duplo caráter de Valor, o Trabalho também tem esse duplo caráter incorporado. O Trabalho Concreto produz enquanto valores de uso e o Trabalho Abstrato produz enquanto valores que podem ser trocados no mercado. O trabalho concreto tem um caráter particular, por isso, o próprio indivíduo tem o seu trabalho incorporado na sua vida, como os próprios sobrenomes nos exemplificam – Ferreira, Correia, Machado, Schumacher (sapateiro), etc… Essa forma de trabalho a indústria suprimiu, implementando o trabalho abstrato – nele, nós percebemos uma grande massa de trabalho humano indiferenciado. Medir essa forma de trabalho só seria possível por meio do seu tempo de duração.
O processo de produção capitalista é, ao mesmo tempo, um processo de trabalho (criador de valores de uso) e um processo de valorização do capital por meio da extração do Mais-valor, que ocorre a partir da exploração do trabalho. Assim, o objetivo individual do capitalista é obter o máximo possível do mais-valor, na verdade, toda a produção capitalista em seu conjunto opera para essa obtenção. O mais-valor absoluto é obtido através do prolongamento da jornada de trabalho, já o mais-valor relativo é a redução do trabalho necessário, alterando a proporção em favorecimento do capitalista. O próprio aperfeiçoamento dos modos de produção, passa pela necessidade do capitalista em aumentar o mais-valor relativo.
Conforme já mostrado, durante a sua jornada de trabalho, o operário produz os valores do seu meio de sobrevivência (trabalho necessário) e o mais-valor, que é o trabalho excedente, parcela que vai para o capitalista.
Nós pensamos que o salário é o pagamento sobre o trabalho, porém, se fosse isso, não haveria lucro para o capitalista. Desta forma, Marx aborda que o capitalista não compra o trabalho, mas a sua força de trabalho, do qual é inseparável do trabalhador. Como Marx nos apresenta no Capital – “O trabalho é a substância e a medida inamente dos valores, mas ele mesmo não tem valor nenhum[…]”
O salário é um mecanismo que “oculta” o trabalho embolsado pelo capitalista. Não é o pagamento do trabalho, mas da produção e reprodução da força de trabalho necessários para manter o operário vivo e trabalhando. Os meios de subsistência do trabalhador podem variar dependendo das condições naturais ou do desenvolvimento de um dado país ou de dada época. O aumento do poder aquisitivo do salário não significa necessariamente, a diminuição da exploração do operário. Nesse caso, deve-se levar em conta o Salário-Relativo. Essa é uma expressão baseada num eventual aumento de salário, mas que representa na maioria das vezes num aumento da exploração do mais-valor. Na verdade, há sempre uma tendência de queda do salário relativo, pois no capitalismo há uma tendência de acumulação da riqueza social. O processo de produção capitalista, ou seja, a expansão do mais-valor é sempre contínua. Por isso, a tendência de acumulação do capital é inevitável.
A raiz da palavra fetiche vem do próprio português, feitiço. Quando Marx aborda esse conceito, ele busca expressar que no capitalismo o produto do trabalho humano não aparece como sua propriedade, mas como propriedade desse produto, como se fosse um tótem ou um fetiche. Desta maneira, o fetichismo da mercadoria se refere ao fenômeno onde as relações de troca existem e se realizam por causa das relações entre mercadorias, excluindo as relações sociais entre as pessoas durante esse processo.
“A relação social entre Homens e proprietários de mercadorias aparece como uma relação entre mercadorias, independente da ação e da vontade humana”Assim, os produtos do trabalho do operário separam-se dele e o domina sob a forma de capital. Ele (o operário) vai ter a impressão de que foi o capital o responsável pela realização do produto, e ele foi apenas um “ajudante” do processo.
Quando aparece essa afirmação (infelizmente) bastante comum: tal empresário gerou X empregos… Há uma apropriação do emprego (que é uma relação social entre capitalistas e assalariados) pelo capital. Essas afirmações trazem a impressão de que é o capital quem emprega, fazendo o operário se subordinar ao capitalista – que é a personificação do capital. Na verdade, não é o capital que produz o trabalho, é justamente o contrário.
O dinheiro é um exemplo do fetichismo mercantil, já que o mesmo é apenas uma mercadoria criada por pessoas, mas que muitas vezes assume uma personalidade própria, capaz de comprar todas as mercadorias, apenas por se dinheiro, você já escutou a expressão: dinheiro compra tudo!
A alienação está diretamente ligada ao fetiche da mercadoria. Se as relações sociais são mediadas pelas mercadorias (entre elas o dinheiro), as pessoas podem se sentir alienadas (fora da realidade) de seu próprio trabalho e do produto final, pois perderam a conexão direta com o processo produtivo.
O objetivo do Capital de Marx, era mostrar que o sistema capitalista é uma marcha para o seu próprio fim. Essa ideia é a mais combatida pelos próprios teóricos capitalistas, porém, a dialética é importante na análise da sociedade, mostrando que as crises provocadas pelo capitalismo são cada vez mais violenta, e talvez, a crise climática seja a amostra mais eficaz desta criação destruidora que é o capitalismo.
Marx e Engels nunca produziram suas obras sem serem apoiados por mulheres, com provável participação (através de debates sobre os temas, traduções e com a escrita) . Uma das primeiras obras de Engels – A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra – só foi possível graças a sua companheira, uma operária irlandesa chamada Mary Burns. Aliás, ambos mantiveram um relacionamento amoroso, porém, nunca se casaram por acharem que o casamento era uma instituição burguesa. A ativista Mary Burns vai falecer precocemente em 1863, aos 41 anos. A sua irmã, Lizzie Burns vai acabar ficando com Engels nos anos seguintes, e mesmo analfabeta, vai participar ativamente das produções de Engels.
Karl Marx, que era casado com Jenny, teve três filhas chegando na idade adulta, (todas tinha Jenny no nome) Jenny Carolina, Laura e Eleanor. Esposa e filhas sempre debateram, traduziram os manuscritos de Marx e escreveram sobre suas obras ou sobre os temas debatidos.
Aliás, Jenny (esposa) e posteriormente a governante Helena, auxiliaram por diversas vezes as “traduções” dos manuscritos de Marx, que era famoso por sua péssima caligrafia. A morte de Jenny em 1881 vai abalar Marx profundamente, assim como a morte de sua filha mais velha, Jenny Caroline. Numa de suas últimas cartas a Engels, Marx confidencia que seus pensamentos ficavam constantemente voltados a seus momentos com esposa e filha. Marx acabaria morrendo em 14 de março de 1883 aos 64 anos.
A mulher está presente no debate sobre os trabalhadores feito por Engels desde a obra – A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra – ali ele vai denunciar a exploração sofrida pelas mulheres, expondo a diferença salarial entre os sexos e violências cotidianas, como a de bebês adoecendo em casa enquanto os seios das mães jorravam leite sobre as máquinas. Ele também aborda as deformações ocupacionais sofridas pelas mulheres devido a posições no trabalho, assim como a multa aplicada a mulheres grávidas que se sentavam durante a produção. Mesmo possuindo certos pensamentos machistas ainda presentes em suas obras (ele se questiona se o papel de provimento da família seria invertido dos homens para as mulheres) se questionando por que isso lhe incomodava. Nesse estudo, Engels apresenta uma contradição entre a produção capitalista e a estabilidade familiar.
Aliás, Jenny (esposa) e posteriormente a governante Helena, auxiliaram por diversas vezes as “traduções” dos manuscritos de Marx, que era famoso por sua péssima caligrafia. A morte de Jenny em 1881 vai abalar Marx profundamente, assim como a morte de sua filha mais velha, Jenny Caroline. Numa de suas últimas cartas a Engels, Marx confidencia que seus pensamentos ficavam constantemente voltados a seus momentos com esposa e filha. Marx acabaria morrendo em 14 de março de 1883 aos 64 anos.
A mulher está presente no debate sobre os trabalhadores feito por Engels desde a obra – A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra – ali ele vai denunciar a exploração sofrida pelas mulheres, expondo a diferença salarial entre os sexos e violências cotidianas, como a de bebês adoecendo em casa enquanto os seios das mães jorravam leite sobre as máquinas. Ele também aborda as deformações ocupacionais sofridas pelas mulheres devido a posições no trabalho, assim como a multa aplicada a mulheres grávidas que se sentavam durante a produção. Mesmo possuindo certos pensamentos machistas ainda presentes em suas obras (ele se questiona se o papel de provimento da família seria invertido dos homens para as mulheres) se questionando por que isso lhe incomodava. Nesse estudo, Engels apresenta uma contradição entre a produção capitalista e a estabilidade familiar.
Junto com Marx em A Ideologia Alemã, eles consolidam (agora com uso do materialismo histórico-dialético como metodologia) uma concepção de família, culpando a sociedade baseada na propriedade privada, pois era ela o principal obstáculo para as relações baseadas no amor, na igualdade e no respeito mútuo. Desta maneira, a emancipação da mulher dependia da abolição da propriedade privada e da criação de uma economia doméstica comunal. As relações entre os sexos deveriam ser baseadas no afeto genuíno, e não na propriedade. As relações seriam assuntos do âmbito privado, sem interferências religiosas, econômicas ou políticas.
Dentro do socialismo e sindicalismo na época, ainda existia um imenso sentimento antifeminista proletário, ou seja, muitos eram contrários à ideia de a mulher participar da produção operária e de seus movimentos. Para deixar bem claro, Marx e Engels jamais foram favoráveis a essa postura, assim como um socialista chamado August Bebel, que publicou em 1879 a obra – Mulheres e Socialismo – onde aborda toda a história da mulher sob a perspectiva europeia, desde a sociedade primitiva até aquele presente. Nesta obra, Bebel escreve sem um uso teórico materialista rígido, transformando a sua obra numa crítica moralista que focava na hipocrisia do mundo burguês.
Após a morte de Marx, Engels vai publicar – A Origem da Família, da Propriedade e do Estado – ali ele busca mostrar as origens da opressão às mulheres e o desenvolvimento histórico da família. Mesmo limitado pelos recém surgidos estudos antropológicos, Engels observa que a centralidade do processo histórico era a reprodução, e nas sociedades tribais a mulher tinha um papel central, pois como as relações eram comunais, só ela garantia a ancestralidade. O trabalho a partir da domesticação dos animais e da agricultura, faz com que os homens trocassem seus instrumentos de caça e pesca pelos instrumentos de controle da pecuária e produção agrícola, e o desenvolvimento da propriedade privada exigiu a mudança do direito materno para o direito paterno. Essa mudança exigia uma monogamia da mulher e isso dava ao homem o controle sobre a família, levando a mulher à servidão a partir dos sistemas de família patriarcal.
Somente com o capitalismo há uma primeira possibilidade de libertação das mulheres, pois ele fornece a independência econômica. Mas para Engels, somente o socialismo criaria uma organização familiar que permitiria esse novo papel às mulheres. As obras de Marx, Engels e Bebels serão importantíssimas para o sentimento antifeminista proletário e para o desenvolvimento de políticas russas após a Revolução de 1917, mas daí é comunismo do século XX, e para isso, nós teremos outra longa História…
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HARVEY, David. Para Entender o Capital – Livro I. São Paulo: Boitempo, 2022. 336 p.
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MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2022. 176 p.
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2021. 616 p.
NETTO, José Paulo (org.). Curso Livre Marx-Engels: A Criação destruidora. São Paulo: Boitempo, 2015. 187 p. ISBN 9788575594698.
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PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila. Contato História. São Paulo: Quinteto, 2016. 384 p. v. 2.