JORNAL DO BRASIL - 01/05/1946
Contexto histórico...
Eurico Gaspar Dutra havia assumido a presidência do Brasil em 31 de janeiro de 1946, após vencer as eleições pelo PSD, com um total de 42% dos votos, em parte, graças ao “apoio” de Getúlio Vargas. O Governo Dutra teve como desafio inicial garantir a promulgação de uma nova constituição – ela entraria em vigor em setembro daquele ano. O contexto da época era de Guerra Fria, por isso, os EUA eram temerosos por uma possível ascensão de comunistas ao poder, principalmente num país grande e próximo, como era o Brasil.
Apesar de ser um país democrático, o Brasil estava muito distante da tolerância, e assim como o mundo, vivia um ambiente polarizado e maniqueísta. Nesse contexto, Dutra já acena aos EUA uma política de subserviência, afasta o PCB da legalidade e inicia uma política econômica liberal, ou seja, esperando a chegada do capital do exterior. Daí surge a frase anedótica, quando o presidente Truman visita o Brasil.
– Truman: How do you do, Dutra?
– Dutra: How tru you tru, Truman.
É nesse contexto que vamos viajar no tempo e visitarmos o Brasil sob o ponto de vista do Jornal do Brasil em 1º de maio de 1946.
Jornal do Brasil, 1º de Maio de 1946
Na capa do Jornal do Brasil, constava uma notícia sobre o desarmamento e desmilitarização da Alemanha, lembrando que fazia menos de um ano que a Alemanha nazista havia sido derrotada. Nas páginas internas, havia também o destaque para o dia do trabalhador, mostrando como a capital do Brasil (Rio de Janeiro) se preparava para as comemorações. Percebe-se, desta maneira, toda uma programação dedicada para a data, constando um cronograma de atividades que iria acontecer na Quinta da Boa vista, entre 8 e 13horas, com diversos festejos e entrega de bombons, shows de palhaços, atividades para crianças entre outros, estendendo-se até a assinatura de um decreto pelo presidente Dutra no palácio do Catete previsto para as 16 horas. Dentre o cronograma de atividades, destacou-se:
10 horas: lançamento da pedra fundamental no restaurante SAPS no Cais do Porto. (Restaurante Popular)
10-12 horas: Sessões cinematográficas nos mais variados cinemas da capital
12 horas: almoço dos ferroviários ao diretor da Central do Brasil
14-15 horas: recepção no Ministério do Trabalho
16horas: assinatura de Decretos-Lei pelo presidente Dutra
Como era feriado, as sessões “pagas” de cinema, só poderiam ocorrer a partir das 19horas, antes disso, as sessões deveriam ser gratuítas. Sobre os decretos-lei de Dutra, estes seriam destinados ao Ministério do Trabalho, que ganharia autorização para fazer algumas ações, como a Fundação da Casa Popular, um programa destinado a promoção de casas populares para trabalhadores brasileiros e estrangeiros (com no mínimo 10 anos de residência). Rádios e Teatros também organizaram diversos eventos para comemorar tal data, como o Teatro universitário e a Rádio Mauá, que atuaram em conjunto para além de peças ao ar livre, promoverem música ao vivo.
Sobre as manifestações organizadas por trabalhadores, o Gabinete do Chefe de Polícia da Capital, avisou que estava estritamente proibida a concentração e manifestação de trabalhadores a céu aberto, na época, a organização que havia manifestado intenção de fazer essa ação era uma organização não reconhecida pelo governo – o Congresso dos Trabalhadores. Além de considerar o Congresso fora da lei, como diz o texto da notícia, o governo alegava que qualquer manifestação seria considerado crime contra a segurança pública, sendo que comícios e reuniões só poderiam ocorrer dentro dos sindicatos legalizados.
Fim de jogo! Ops, Fim DO Jogo!!
Repercutiam no noticiário brasileiro as ações do governo brasileiro do dia 30 de abril, principalmente com relação ao Decreto-Lei que extinguia o jogo de azar no território brasileiro. A reunião entre o presidente Eurico Gaspar Dutra, os Ministros do Estado e o chefe de polícia do Distrito Federal pela manhã terminou as 12:45 horas, debatendo os elementos do Decreto que proibia os jogos e algumas questões que ficaram pendentes para outro dia, como o combate ao comunismo.
Os jogos de azar foram considerados pelo governo como uma agressão aos bons costumes e a moral da população brasileira, trazendo diversos prejuízos a promoção de um povo culto, pois no decreto, é mostrada uma tendência universal dos povos cultos de extinguirem essa prática, além de toda a tradição cultural e religiosa do povo brasileiro, que não permitia esse tipo de jogo.
Basicamente, o que Dutra fez foi restaurar um decreto que Vargas tinha feito em 1941, no auge do Estado Novo. O decreto reafirmava a proibição da prática de jogos de azar em todo o Território Brasileiro. Mas afinal de contas, o que seriam estes jogos?
Na época, havia casas de jogos – os cassinos – estimando o emprego de 60 mil trabalhadores. Além dos cassinos, existiam os jogos populares, como o jogo do Bicho. Os Hipódromos também lotavam, concentrando um grande fluxo de apostadores. Tudo isso foi proibido? Sim, o decreto proibia toda forma de exploração de jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, conforme o artigo 3º:
Consideram-se jogos de azar: a) jogo em que o ganho e a perda dependam exclusivamente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos que ocorram foram do hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
Os locais de exploração dos jogos também foram fontes de penalidade, ou seja, a penalidade poderia ser extendida ao proprietário do local, até mesmo o dono da casa, caso o jogo de azar seja praticado nela e seus participantes não sejam familiares.
De todo modo, a penalidade para o organizador do jogo (explorador do jogo) era de 3 meses a um ano de prisão em regime fechado, com multa que poderia variar de 2 a 15 mil cruzeiros – na cotação atual (em 2024) daria entre 28 mil até 215 mil reais, além da perda dos móveis.Se houvesse menor de idade e empregados no local de prática, a pena era aumentada em 1/3. Para os participantes (ponteiros e apontadores) a pena poderia variar entre 200 e 2 mil cruzeiros, na cotação atual (2024) entre 2700 – 28 mil reais.
Na saída do Palácio do Catete, o Ministro da justiça concedeu entrevista, afirmando que outros assuntos como a reestruturação dos quadros do funcionalismo público e o combate ao comunismo ficaram para uma próxima data. Lembro, que muitos funcionários públicos foram beneficiados durante o Estado Novo e deveriam ser realocados para uma realidade de país democrático. Ao ser indagado sobre a proibição das apostas nas corridas de cavalo, o ministro é categórico – aposta é só no prado (expressão da época, mas ele quis dizer que seria apenas no local da corrida). Nesta entrevista ele também afirma que as loterias com concessões do governo, não seriam atingidas pela lei, continuariam valendo.
Enquanto isso, no mundo...
A notícia de capa do jornal pode ser lida nas páginas posteriores (mais especificamente na 7ª página), no qual aborda o desarmamento e a desmobilização do exército nazista. Estava ocorrendo uma Conferência em Paris para determinar os rumos dos derrotados no conflito, desta maneira, a notícia apresenta que a URSS, os EUA, o Reino Unido e a França já estavam na Alemanha desde junho, e que o exército alemão derrotado em maio, já estava totalmente desmobilizado e desarmado desde junho daquele ano, evento que garantia naquele momento, apenas o acordo dessas ações na conferência de paz, ou seja, ela deveria ser ratificada entre os vencedores.
No tribunal de Nuremberg, era a vez do presidente do Reichbank até 1939 (o Banco Central da Alemanha Nazista) o sr. Hjalmar Schacht se defender das acusações de apoio ao nazismo de Hitler e as ações de extermínio aos judeus. Em sua defesa, Schacht vai dizer ao juiz Jackson (estadunidense) que ele quase nasceu nos EUA, retornando para a Alemanha somente porque sua mãe adoeceu e que seu irmão mais velho era, inclusive, cidadão dos EUA. Ele se defendeu dizendo que se tornou alemão apenas após a anexação de Schleswig-Holstein (território em disputa com a Dinamarca que Hitler anexou em fevereiro de 1940). Disse que ele participou da reconstrução alemã, que o Tratado de Versalhes (1919) foi um duro golpe para a Alemanha e que ele tinha orgulho da Alemanha de Kant, Goethe e Beethoven. Com relação a Hitler, ele afirmou que o conheceu devido aos amigos banqueiros, que o apresentaram a Goering e que o mesmo o apresentou a Hitler.
O relato de Schacht é interessante, mas mostra uma estratégia de fugir da acusação de participação do regime nazista, negando que apoiava Hitler, que admirava a sua energia e que não apoiava a guerra, tampouco o extermínio, pois se considerava um cosmopolita, assim como seu pai. Quanto aos encontros com Hitler, afirmou que manifestou por diversas vezes seu incômodo com a postura do partido, e que sua medalha de ouro do partido, foi a premiação ganha por ter saído do ministério da economia. Só para dar um spoiler – Schacht foi absolvido pelo tribunal, pois observou-se que ele havia se afastado realmente do governo nazista, sendo encontrado preso em um campo de concentração no final da guerra.
O Cotidiano brasileiro
É impossível definir como era a vida do brasileiro na época apenas lendo um jornal, porém, algumas características interessantes podem ser destacadas naquele contexto, seja através de notícias “corriqueiras” ou a partir da análise de propagandas e classificados.
O novo Dodge de 1946, produzido pela Companhia Propac garantia um motor potente de seis cilindros, além do grande conforto interno. Porém, o carro ainda não havia se popularizado no Brasil, tornando-se possível apenas para os mais ricos. Apesar da época ser marcada por grande esperança de crescimento, a fome ainda era muito presente, exigindo do governo (conforme página 9 do jornal) um grande esforço de tabelamento dos preços alimentícios. A tabela de preços garantia a sua prática nas feiras do país, pois os principais alimentos eram pesados e cobrados por quilo, e a tabela mostrava os preços padrões, como;
Arroz Blue rose especial: 2,80 Crz o quilo – Batata graúda: 1,90 Crz o quilo.
Lembrando que o 1 cruzeiro em 1946 equivaleria a 2,75 dólares, porém, podemos considerar em relação ao poder de compra, que o cruzeiro equivaleria ao real atualmente.
Sobre o cinema, a capital do Brasil (Rio de Janeiro) mantinha em cartaz os mais variados filmes, seja na Cinelândia (centro histórico da cidade) no Centro e nos Bairros, entre os principais filmes do dia, falava-se bem do Sebastopol – um drama da Segunda Guerra, da comédia Tramas de Amor e do principal sucesso daquele momento, o romance Gaivota Negra. Os teatros também tinham peças em destaque a peça liderada por Jaime Costa – Onde está minha família? com sessão gratuíta em homenagem ao dia do trabalhador. Os eventos dos escoteiros também tinham bastante destaque na época, mostrando os mais variados grupos de escoteiros e suas reuniões.
Ah, agora é a página dos Esportes!
Se você acha que essa página será de futebol, está um pouco enganado. Em 1946, havia sido encerrado o campeonato Sul Americano de natação, que incluía diversas provas nas piscinas, desde as mais variadas modalidades de natação até saltos ornamentais e jogos de pólo aquático, chamado Water Polo. Entre as mulheres, as brasileiras se sagraram com o primeiro lugar geral da competição, enquanto nas modalidades masculinas, os argentinos venceram. Tivemos recordes sendo batidos nesta competição, e foram as brasileiros que fizeram isso na prova 4×200 metros, com o recorde de 9:10.80. Em 2024 o recorde Sul Americano também é brasileiro, 7:52.71.
Também em destaque nós temos as previsões para a prova de Turf que ocorreria na Gávea. Lembro que o Turf era a corrida de cavalos, que envolvia as apostas, cujo tabelamento de valores estava presente no jornal, assim como alguns “palpites” sobre a corrida. No futebol, e ele aparece, nós temos os resultados do jogo entre Corinthians e Botafogo, no qual os corinthianos haviam vencido o confronto no Pacaembu por 5×1, mostrando sua força aos cariocas do Botafogo. No âmbito internacional, os ingleses estavam acenando seu possível retorno a FIFA, que se reestruturava após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Referências Bibliográficas
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 1º de maio de 1946.
Starling, Helena; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Brasil, uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
