O Faroeste

A palavrinha “faroeste” vem de Far West (oeste distante) e foi popularizada no cinema, espalhando-se para outras mídias – HQ’s, animações e até mesmo nos games, através de franquias famosas, como Red Dead Redemption.

A Corrida do Ouro

A expansão territorial dos EUA se consolidou com a Guerra Mexicano-Americana entre 1846-1848. Mas foi a partir de janeiro de 1848, quando o fazendeiro James Marshall descobriu ouro em suas terras, no que seria uma vasta jazida em Sutter’s Mill, que o destino da região iria se transformar. A notícia do ouro foi confirmada meses depois pelo presidente Polk, transformando a região e a economia global através do que conhecemos hoje como Corrida do Ouro, ou como a geração dos Forty-niners. A região da Califórnia era habitada por alguns rancheiros, fazendeiros mexicano-americanos e pescadores de baleia, que utilizavam o porto da baía de São Francisco. E era ali que a cidade de São Francisco se desenvolveu, habitada por 812 pessoas por volta de 1848, aliás, a Califórnia inteira não tinha mais do que 14 mil habitantes. Essa realidade se transformaria com a corrida do ouro, a tal ponto que em 1852 a população da Califórnia já ultrapassaria 500 mil pessoas, 35 mil delas na cidade de São Francisco. Aliás, a pacata baía de São Francisco já observava a chegada de 1150 navios no ano de 1850 e meio milhão de toneladas de mercadorias.

O crescimento econômico visto na Califórnia e na Austrália (lá também havia uma corrida do ouro) fez até mesmo Engels e Marx refletirem sobre este ineditismo, conforme correspondência de Engels a Marx: “A Califórnia e a Austrália são dois casos não previstos no Manifesto (Comunista): a criação de grandes e novos mercados a partir do nada. Precisamos rever isso.” Sem dúvida, a Febre do ouro trouxe grandes impactos, tanto econômicos como migratórios. A Califórnia era acessível somente pelo mar, já que os relevos de montanha e as regiões áridas dificultavam a prática de rotas terrestres. A navegação era feita no Pacífico, gerando a abertura de novas rotas e mercados – vinham cereais do Chile, Cacau do México, batatas da Austrália, açúcar e arroz da China e após 1854 até mesmo algumas importações do Japão. 

O aumento da oferta do ouro multiplicou os meios de pagamento, surgindo os cheques, as faturas e o aumento da cunhagem de moedas, o que baixou a taxa de juros e encorajou a expansão do crédito. Houve um ‘interlúdio inflacionário’ que permitia um aumento nas margens de lucro – algo raro, pois a industrialização barateava os produtos, criando um cenário de deflação e queda dos lucros. A maior quantidade de barras de ouro estabilizou o padrão monetário baseado na Libra e permitiu uma expansão do liberalismo econômico – lembro que apenas os EUA mantiveram um forte protecionismo a sua indústria. Sobre o fator humano, as migrações de chilenos, peruanos e de populações do pacífico (e suas ilhas) não tiveram grande representação. Apesar de observarmos um grande fluxo destas populações nas primeiras fases da corrida do ouro, como os frequentes abandonos de navios por deserção de marinheiros destas regiões, houve fluxos migratórios muito mais intensos, como dos chineses que em 1849 eram apenas 76, mas que em 1876 já representavam 25% dos estrangeiros na região, ou seja, mais de 111 mil habitantes. Junto aos chineses vieram seu preparo, sua inteligência e espírito empreendedor, fato é que a partir desta migração houve a introdução de um dos produtos orientais mais populares do mundo – o restaurante chinês. Mas eles também foram oprimidos e ridicularizados existindo até episódios de linchamento (como em 1862 onde 88 foram assassinados). O Chinese Restriction Act de 1882 acabaria com a imigração destas populações chinesas. Os EUA estimularam a imigração de populações europeias, como a britânica, irlandesa e a alemã, mas ainda tivemos grandes fluxos migratórios do México e do Leste dos EUA. O trajeto via Leste (Atlântico) era feito pelo Cabo Horn no Chile, mas posteriormente passou a ser feito pelo Istmo do Panamá, onde em 1855 foi construída por empreiteiros estadunidenses uma estrada de ferro que ligava o Atlântico ao Pacífico.

O Velho Oeste

Entre as décadas de 1860 e 1880 os americanos buscaram ocupar a “última fronteira” – o Grande Deserto – uma imensa região de pradarias, planícies e montanhas, intocadas pelas populações da nova nação. A busca pelo domínio desta região ocorre por vários motivos, como a liberdade religiosa (com os mórmons) e o desejo de obter terras e ouro. Entre 1859 e 1876 ocorreram diversas “corridas do ouro” para regiões distantes coo os atuais estados de Nevada, Colorado, Idaho, Montana, Arizona e Dakota do Sul. E assim passaram a surgir centenas de cidadelas nestas regiões, a partir da chegada de milhares de pessoas, como garimpeiros, prostitutas, mercadores, jogadores, bandidos comuns e diversos outros grupos aos quais profissões eram bem mais aceitas nestas regiões como professores a advogados. Quando o ouro de aluvião acabava iniciava-se uma exploração mais sistemática com uso de maquinários em minas. Se não houvesse essa possibilidade, a cidade era abandonada surgindo as cidades-fantasma.
Há um importante debate acerca da história do velho oeste. A tese da fronteira desenvolvida em 1890 por Frederick Jackson Turner transformava histórias regionais numa grande narrativa nacional, onde colonos desbravaram a natureza indomada e nesse processo criava-se a identidade americana, diferenciando-a da sua parte europeia, explicando a sua excepcional democracia e legitimando a pretensão imperialista dos EUA, evidenciando a sua produtividade e devoção à democracia. A fronteira era o principal elemento desta americanização e essa expansão teria terminado em 1890, quando o censo nacional declarou ocupadas todas as terras livres.
De maneira geral, os movimentos historiográficos que se opuseram a esta história do oeste são diversos, seja na forma excessivamente empírica e determinista, ou na maneira como exclui as mulheres e as populações negras e indígenas deste processo, o que torna a perspectiva de Turner excessivamente etnocêntrica. Hoje, novas abordagens são realizadas sobre o tema, com destaque a historiadores como William Cronos, Richard White, Elliot West e Patricia Limerick.

A Vida no Velho Oeste

As condições de vida das pessoas nestas regiões do oeste eram diversas. As cidades tinham desafios em comum, como os problemas de moradia e péssimas condições sanitárias, além de escassez dos serviços públicos. Em contraparte, esses lugares estavam longe de serem terras sem-lei e dominadas pela violência. Os esforços destas comunidades eram voltados para enfrentar esses desafios e por isso, a aplicação da lei tinha características peculiares, devido a falta de estruturas de governo. Existiam patrulhas comunitárias e adaptação da aplicação das leis entre outros. Podemos observar algumas características presentes neste contexto;

O Xerife: A expressão vem de “shire reeve” um oficial real (inglês) encarregado de supervisionar um condado. No Oeste, o xerife tinha um papel mais complexo, ele representava uma liderança da comunidade, tanto na manutenção da ordem como na administração da justiça local.

O Cowboy: O estereótipo mostra o cowboy (vaqueiro) como um herói solitário e destemido, símbolo da liberdade e da aventura. Mas isto não reflete a complexa vida no Oeste. Na maioria das vezes, os cowboys eram mal remunerados, enfrentando longas horas de trabalho, isolamento social e condições adversas. O uso das armas era necessário para afugentar predadores, proteger o gado e em alguns casos havia situações de conflito, claro que não da forma idealizada como nos filmes. Os cowboys não se resumiam a homens brancos, muitos deles eram mexicanos ou negros.

As Mulheres: A imagem periférica da mulher do Oeste, marcada pela passividade está errada. Elas participaram ativamente em todas as áreas de desenvolvimento, como na construção de comunidades, trabalhando nas fazendas, ranchos e mineradoras, além do enfrentamento ao isolamento, a hostilidade e a falta de direitos. Algumas mulheres foram bastante famosas como a Calamity Jane( Martha Jane Canary) que nasceu em 1852 no Missouri e se destacou ganhando fama como exploradora, fronteiriça e artista de Valdeville. Outra mulher de destaque foi Annie Oakley (Phoebe Am Mosey) nascida em 1860 em Ohio, ela se tornou uma as melhores atiradoras do mundo, participando de diversos espetáculos de tiro, como nos shows de Buffalo Bill Cody. Sara Winnemucca (Thocmetony – aquela que ilumina o caminho) nasceu em 1844 entre os Northern Paiute e se transformou numa ativista indígena, escrevendo um livro em inglês, onde denunciava as injustiças e abusos sofridos pelos povos indígenas durante a expansão para o Oeste.

A prostituição era bastante comum nas comunidades do Oeste, e isso ocorria por diversas razões como a desproporção de gênero, a falta de oportunidade de trabalho para as mulheres, falta de assistência social e até mesmo a cultura de fronteira que tolerava e encorajava estas práticas.

A Exclusão dos povos indígenas

A ocupação do “Grande Deserto” levou ao choque com as populações indígenas que viviam da caça aos búfalos e dependiam de grandes espaços para isso. Os conflitos com os indígenas causaram massacres tanto aos nativos quanto as populações brancas. Um dos episódios mais terríveis foi o Massacre de Sand Creek em 1864, onde um destacamento de tropas federais assassinou centenas de homens, mulheres e crianças que já haviam se rendido.
Nesse contexto de conflito e expansão nós temos o Homestead act, ocorrido em 20 de maio de 1862. A lei estabelecia que qualquer cidadão dos EUA ou que tivesse a intenção de sê-lo (imigrante europeu) maior de 21 anos, poderia ocupar 160 acres de terras públicas. Estima-se que mais de 600 mil pessoas receberam um total de 80 milhões de acres.


Muitos povos indígenas resistiram, principalmente os Sioux (nas planícies do norte) e os Apaches (no Sudoeste). Os Sioux massacraram as populações “brancas” em Minnesota no ano de 1862 e os embates prosseguiram durante a Guerra Civil. A última guerra entre Sioux e estadunidenses começa em 1876, quando começa uma corrida do ouro na Dakota do Sul. Os garimpeiros ocuparam uma região prometida aos indígenas – Black Hills – e o conflito se estendeu até 1890, quando ocorre um levante em Wounded Knee, Dakota do Sul, resultando no massacre da população indígena.
No Sudoeste os Apaches foram derrotados em 1885 quando Jerônimo (Gerônimo) líder Apache, foi capturado. O grito Jerônimo foi utilizado por paraquedistas na Segunda Guerra e ficou famoso até hoje porque alguém olhou um filme de faroeste e admirou a coragem de Jerônimo, proferindo o grito – mas isso tudo pode não passar de um mito da Segunda Guerra.
Mesmo antes das derrotas finais destes povos, o sistema de vida dos indígenas já tinha sido destruído pela dizimação “proposital” dos búfalos. Mesmo os indigenistas, que lutavam por melhores condições a estes povos, os tratavam como culturas menores ou inferiores e não se opuseram a práticas “bem-intencionadas” como a criação de reservas indígenas bem estruturadas e como escolas protestantes. Assim, as vontades das nações ameríndias foram suprimidas e suas autoridades destruídas.

O Fim do Velho Oeste

O extermínio dos búfalos e a implementação do gado bovino acabou sendo desastrosa com as nevascas entre 1885-1887, matando milhares de cabeças de gado. Começava a ganhar espaço a prática de cercamento de pastagem e contratação de funcionários fixos para conserto de cerca e plantio de forragem. Terminava a era clássica do vaqueiro americano (Cowboy) mitificado como um sujeito único, quando na verdade, os costumes não eram diferentes a outras culturas como a dos sertanejos (nordeste) e gaúchos do Pampa.
A expansão para estas novas terras tivera uma motivação diferente nas últimas décadas do século XIX. Não foi a corrida do ouro, o gado e a concessão de terras pelo governo. Foram as estradas de ferro. Elas foram as maiores vendedoras de terras para os colonos, pois era do seu interesse assentar populações próximas as áreas que serviam de estação às ferrovias transcontinentais. Mais terras foram colonizadas por essa motivação do que em toda a história americana interior.
Muitos produtores (pequenos agricultores) perderam suas terras (cederam) a especuladores, e de acordo com os índices de migração pós-guerra civil, a maioria das pessoas que fugiam da miséria migravam do campo para as cidades.

O Banditismo

O banditismo foi um dos grandes elementos da mitologia do Velho Oeste, fomentados pelos jornais da época, que alimentavam o imaginário tornando alguns criminosos verdadeiras lendas da cultura popular. Entre estes, podemos destacar algumas histórias, como as de Jesse James (líder da gangue James-Younger) que promoveu assaltos a bancos e trens, sendo morto por um membro da gangue na sua casa em 1882. Outro foi Billy The Kid, líder de gangue, sendo perseguido e morto pelo Pat Garret no Novo México, em 1881. O nome real de Billy era Henry McCarty, mas sua morte prematura aos 21 anos lhe rendeu o apelido. Um tiroteio famoso foi o que ocorreu em Tombstone. Os irmãos Earp (Morgan, Virgil e Wyatt) juntos a Doc Holliday buscavam impor a lei na cidade e acabaram sendo confrontados por Cowboys (Ike, Billy Clanton e Tom McLaury). O famoso tiroteio durou apenas 30 segundos, os cowboys morreram o os Earp tiveram ferimentos leves… Fim!

Referências Bibliográficas

  • AVILA, Artur. Território Contestado: a reescrita da História no Oeste Americano (1985 – 1995). 2010. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
  • HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914). São Paulo: Paz e Terra, 2008.
  • KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: Das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2020.