O jogo da Obsidian, Pentiment, tem seu nome inspirado na palavra italiana pentimento, que em português significa arrependimento. Sobre a trama desta história, não darei um spoiler do final, pois a própria narrativa sugere a influência das suas escolhas nos acontecimentos.
Mas por que estudar a Idade Média e a Idade Moderna a partir do jogo Pentiment? Hum… por causa do contexto do jogo. O próprio designer, Josh Sawyer, é também historiador e fascinado pelo período. Então, por que não embarcarmos para a cidade de Tassing, um local fictício situado na atual Áustria, na época dominada pelo Sacro Império Romano-Germânico? Ah, e não nos esqueçamos do nosso protagonista: Andreas Maler, um artista iluminador (depois explico melhor), que veio de Nuremberg e está trabalhando na Abadia de Kiersau (também fictícia), localizada nos arredores da cidade. Então, vamos lá!
Um artista está dormindo e, em seus sonhos, interage com três personagens distintos. Beatriz – provavelmente a Beatrice da Divina Comédia de Dante – cujos conselhos são voltados para a moral e a virtude. Aconselhando de forma mais racional, temos o filósofo Sócrates. Por fim, um personagem satírico: São Grobian, que representa a grosseria, o comportamento vulgar e os excessos mundanos. Ele é uma personificação humorística do “santo padroeiro dos rudes e incultos”, uma figura que surgiu na literatura medieval e renascentista como uma crítica irônica aos maus costumes e à falta de refinamento social.
No centro dessa visão está um rei lendário: Preste João, cuja existência era almejada pelos navegadores portugueses, que esperavam encontrá-lo para, juntos, derrotarem o Islã.
Aqui é importante notar os elementos transitórios entre os períodos da Idade Média e da Idade Moderna. São Grobian e Preste João são figuras culturais de origem medieval, ambos personagens lendários que surgiram nesse período. Já a presença de Sócrates indica uma busca pelo pensamento filosófico grego da Antiguidade, uma característica do Humanismo. Em conjunto com Beatriz, da Divina Comédia – obra reconhecidamente renascentista –, essa interação revela traços do Renascimento. Assim, já percebemos no jogo a representação da transição entre a Idade Média e a Idade Moderna.
Afinal, que transição foi essa?
Na História, costumamos dividir o passado em grandes períodos, como a Pré-História, a Idade Antiga, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea. Há também subdivisões dentro desses períodos, como a Alta e a Baixa Idade Média, além de regionalizações, como o Brasil Império. No entanto, essa divisão é uma tentativa de organizar nossa compreensão sobre o passado, ainda que sua eficiência e precisão possam ser questionadas. Afinal, será que tudo muda de uma hora para outra?
Quando falamos de Idade Média, referimo-nos ao período que se inicia em 476, com a Queda do Império Romano do Ocidente, e vai até 1453, com a Queda de Constantinopla. A Idade Moderna começa em 1453 e se estende até 1789, com a Revolução Francesa. Se analisarmos a Europa entre 1450 e 1550, percebemos um ritmo acelerado de transformações. No entanto, os quatro grandes movimentos tradicionalmente considerados inauguradores da Idade Moderna – o Renascimento, as Reformas Protestantes, as Grandes Navegações e a centralização política (Monarquias Absolutistas) – já tinham suas bases na Idade Média.
Portanto, essa transição não deve ser vista como um rompimento com o passado medieval, mas sim como um processo de continuidade e transformação ao longo do tempo.