Por João Henrique Couto Scotto

A Evolução Humana em Ancestors: The humankind Odyssey

A Pré-História em Jogo!

E aí, meu amigo, de onde viemos? Dos macacos? De algum Deus? De outro mundo? Pois é, essa é uma questão que tem um montão de respostas, e provavelmente a minha ficará desatualizada e não servirá em um futuro bem próximo. Ah, já vou avisando, a corrente teórica que eu vou seguir na minha explicação é a do Evolucionismo, baseada na obra A Origem das Espécies, que Charles Darwin escreveu há um tempinho (precisamente em 1859). Basicamente, a obra propõe que a seleção natural acaba criando ou adaptando espécies às suas necessidades.

Para quem não sabe, o jogo Ancestors: The Humankind Odyssey foi publicado em 2019 para PS4, Xbox One e para o sistema operacional Windows. Resumidamente, o jogo se propõe a “evoluir” a espécie humana, começando há 10 milhões de anos. No início, começamos o jogo em uma região de floresta, e, segundo a “Fandon” do jogo, a espécie com a qual começamos não tem nome, sendo considerada o “elo perdido” — a espécie mais antiga entre a nossa linha evolutiva e a dos gorilas, por exemplo.

A Origem da Humanidade em Ancestors: The Humankind Odyssey

Eu quero deixar bem claro que, para mim, é impossível determinar um conceito fixo de Ser Humano. No pensamento biológico, através da observação das características físicas, podemos destacar nosso bipedalismo, o desenvolvimento do polegar opositor, a capacidade de fala, o tamanho do cérebro, etc. Mas os humanos também são seres sociais, que extraem os recursos da natureza a partir do trabalho, ou melhor, somos culturais, vivemos em comunidade com base em tradições, crenças, além da cooperação. E eu nem vou me atrever a entrar no campo da Filosofia, senão a gente não entende mais nada! Então, vamos manter o foco e o percurso — ou melhor, os percursos — que levaram ao surgimento do Homo sapiens sapiens, a nossa espécie.

Tudo começa no jogo há 10 milhões de anos, quando nos encontramos no meio da floresta, a partir de um primata primitivo desconhecido (o jogo o aborda como o “elo perdido”). Numa condição de presa, nosso personagem tem a missão de retornar para sua família, e, de forma bem tensa, conseguimos fazer isso — ou não, porque o jogo adota uma postura de deixar o aprendizado mais intuitivo, dificultando um pouco as coisas. Aliás, esse é um tema que podemos debater: o jogo Ancestors: The Humankind Odyssey impede muitos (e talvez até me impeça) de concluir a história e absorver todos os elementos propostos devido à sua dificuldade. Certo, chegamos à família, e a primeira questão que discuto é: de qual lugar e o que, afinal de contas, é o personagem?

A África e a origem das espécies humanas

O jogo Ancestors: The Humankind Odyssey possui um mapa que nos dá algumas pistas sobre a região em que o jogo se passa. Claro que a própria temática do jogo (o surgimento da humanidade) já deixa claro que é no continente africano. Analisando o mapa, percebemos uma grande variedade de relevo e vegetação: há regiões montanhosas, algumas depressões com lagos e também áreas litorâneas. Quanto às vegetações, elas variam de floresta para savana e até apresentam algumas características desérticas, mas, no meu ver, ainda dentro de uma ideia de savana. Essas características físicas se aproximam bastante da região da África Oriental, onde temos o Rift Africano. Este Rift (fenda) é uma formação geológica resultante do encontro de duas placas tectônicas (a africana e a asiática) que, entre 45 e 30 milhões de anos atrás, acabaram formando uma espécie de “muralha” africana, estendendo-se por 6.000 km e criando regiões montanhosas e grandes vales. É nesta região que grande parte das espécies de hominídeos são encontradas.

Conforme já abordei, começamos o jogo em uma linha temporal de 10 milhões de anos atrás, a partir de um primata primitivo desconhecido. E o jogo foi bastante assertivo: é praticamente impossível determinar um elo específico entre os humanos e as outras espécies de primatas, especialmente a grande variedade de espécies de hominídeos que conviveram no mesmo período e que possam ter originado nossa espécie. Vamos expandir nossa ideia de linha temporal, começando pela extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos. Nessa época, já haviam mamíferos menores, como roedores, e desses se originariam os primeiros primatas, entre 50 e 35 milhões de anos atrás. Os hominídeos — ou melhor, os primatas da família Hominidae, marcados pelo grande porte — vão aparecer por volta de 14 milhões de anos atrás. Por isso, o jogo aborda uma dessas diversas espécies que vivem na região do Rift Africano, marcada pela transição entre florestas densas e regiões mais secas, do tipo savana.

Os Hominídeos podem ser generalizados como sendo grandes primatas com capacidades bípedes, mesmo que não sejam completamente bípedes. Das diversas espécies de Hominídeos saíram outras espécias além da Humana, como a dos Gorilas, Bonobos, Orangutangos e Chimpanzés. É interessante a observação de Condemi e Savatier (2019) acerca dos estudos realizados até então a partir de fósseis de Hominídeos:
[…] duas coisas fascinantes: primeiro, que a evolução dos hominídeos sempre foi incontestável, quer dizer que várias espécies próximas coexistiram quase constantemente ao longo dos últimos sete milhões de anos. Segundo, que durante esse período, os hominídeos passaram por uma série de importantes estados evolutivos, ou seja, períodos no decorrer dos quais diversas formas próximas, possuindo quase as mesas estruturas corporais e modos de vida coexistiam.

Daí foi acertada a escolha dos produtores do jogo em manter o primeiro “elo” em suspenso, aliás, as demais espécies que aparecem no jogo não devem ser tratadas como exclusivas da nossa linha evolutiva, aliás, este é um momento importante para abordarmos a evolução no jogo e na ciência. 

 

As espécies pré-humanas e humanas no jogo

Podemos falar em três etapas evolutivas, desde os primeiros hominídeos que desceram das árvores no continente africano até a consolidação da forma bípede. Na primeira fase, encontramos espécies de hominídeos que ainda possuíam um bipedalismo parcial, ou seja, tinham a capacidade de adotar uma postura bípede, mas sem exercer o bipedalismo de forma permanente. Entre essas espécies — que são diversas, muitas ainda desconhecidas e algumas tão similares em suas características fósseis que não podemos descartar a possibilidade de serem as mesmas — destacam-se algumas que podemos explorar (ou não, já que, como mencionei, o jogo é bastante difícil e demorado).

Sahelanthropus tchadensis (Toumai)

No jogo é a primeira espécie que nós “evoluímos” a partir da nossa espécie inicial (aquela desconhecida). As possibilidades temporais apresentadas no jogo variam entre 9 milhões até 7,1 milhões de anos atrás. O predador principal mostrado no jogo é o Machairodus.

Atualmente, esta é a espécie mais antiga conhecida na ramificação que pode ter levado até nós. O Toumai foi descoberto pelo francês Michel Brunet, que, a partir do crânio, concluiu que um orifício subcraniano conectado à medula espinhal sugere que o bipedalismo já estava em desenvolvimento nessa espécie. Quanto ao período em que viveu, estima-se que tenha existido entre 6 e 7 milhões de anos atrás. As poucas evidências fósseis disponíveis não permitem compreender detalhes do cotidiano dessa espécie, mas é provável que sua dieta fosse baseada no consumo de folhas, frutas, sementes, raízes, nozes e insetos.

Orrorin Tugenensis 

Esta é a “segunda espécie” conhecida no sistema de evolução presente no jogo. Conseguimos “evoluir” para esta espécie no game em um período que vai de 7,2 milhões a 5,5 milhões de anos atrás. Estudos atuais sugerem que essa espécie surgiu na região do atual Quênia por volta de 6 milhões de anos atrás. O Orrorin foi descoberto pelos paleontólogos Brigitte Senut e Martin Pickford, que encontraram uma dúzia de fósseis em três locais distintos no Quênia. A hipótese de bipedalismo baseia-se na análise do fêmur, enquanto a característica arborícola (indicando que viviam em árvores) foi sugerida pela análise do polegar encontrado. Sua aparência seria semelhante à de um chimpanzé moderno, mas com uma dentição parecida com a dos humanos modernos.

Ardipithecus ramidus

A terceira espécie apresentada no jogo meio que ignora seu predecessor, o Ardipithecus kadabba, que viveu entre 5,8 e 5,2 milhões de anos atrás. De qualquer forma, o Ardipithecus ramidus possui uma possibilidade de “evolução” no jogo entre 5,5 e 3,9 milhões de anos atrás. Na realidade, o Ardipithecus ramidus viveu por volta de 4,4 milhões de anos atrás, apresentando características que sugerem um bipedismo que podemos chamar de “oportunista” (assim como pode ter ocorrido com outras espécies pré-humanas que o antecederam).

Quando falamos em bipedismo oportunista, isso se refere ao fato de que seus pés pareciam ser bem adaptados à marcha. No entanto, a presença de um polegar opositor, semelhante ao encontrado em chimpanzés, provavelmente limitava a eficácia do bipedismo. Esse mesmo polegar sugere uma facilidade na escalada de árvores, característica reforçada pelos dedos alongados das mãos.

A origem do nome Ardipithecus (que significa “solo”) e Ramidus (“raiz”) está relacionada à crença de que esta seria a espécie de origem da nossa linha evolutiva. Isso se deve ao fato de que sua dentição e o formato do quadril afastam qualquer ligação direta com os chimpanzés, tornando o gênero Ardipithecus um gênero pré-humano definitivo.

Seus fósseis foram encontrados em uma região associada a uma fauna altamente arborizada, o que contradiz a ideia de que o bipedalismo tenha sido provocado por mudanças na vegetação. Em relação à sua alimentação, estudos indicam uma grande probabilidade de que o Ardipithecus ramidus fosse onívoro. Ele consumia carne, frutas e vegetais, mas evitava raízes, conforme observado no esmalte de sua dentição.

Australopithecus Afarensis

Essa é a quarta espécie na linha “evolutiva” apresentada no jogo, onde, ao jogarmos, podemos “evoluir” entre 3,9 e 2,5 milhões de anos atrás. O gênero Australopithecus já é bastante conhecido, e a espécie afarensis é notável por sua longevidade. Estudos sugerem que essa espécie, em particular, pode ter existido por quase 1 milhão de anos, entre 3,85 e 2,95 milhões de anos atrás.

Há também muitas evidências fósseis que a comprovam, sendo a mais antiga encontrada nas famosas pegadas de Laetoli, na atual Tanzânia. Essas pegadas foram preservadas após o vulcão Sadiman cobrir o solo com uma camada de cinzas vulcânicas de aproximadamente 15 centímetros de espessura. Quando três indivíduos de Australopithecus afarensis caminharam por ali, deixaram suas marcas, que chegaram até nós como um registro inestimável.

O nome dado a esse gênero humano, Australopithecus, deriva do latim e significa “macacos do sul”, em referência ao fato de seus primeiros fósseis terem sido descobertos no sul da região do Grande Rift.

Voltando às pegadas de Laetoli, encontramos uma forte evidência de uma segunda etapa evolutiva relacionada ao bipedalismo verdadeiro. Isso pode ser observado no dedo do pé (hálux, ou nosso dedão), que não era opositor e estava alinhado com os outros dedos, assim como ocorre em humanos modernos. No entanto, a planta do pé sugere que o maior apoio durante a caminhada estava próximo ao calcanhar, indicando que sua passada não era exatamente como a nossa.

As mãos também apresentavam diferenças significativas. Apesar do polegar ser adaptado para um movimento em gancho, elas ainda mantinham características arborícolas. É possível que essa espécie construísse ninhos sobre árvores, como fazem os chimpanzés. Um exemplo disso pode ser observado na análise de Lucy, o fóssil mais famoso de Australopithecus afarensis. Estudos indicam que Lucy pode ter morrido em consequência de uma queda de árvore, reforçando essa hipótese.

Quanto à dieta, o afarensis era predominantemente herbívoro, consumindo folhas, frutas e outros vegetais. Há também evidências de que eles ocasionalmente se alimentavam de pequenos animais, como lagartos.

Australopithecus Africano

A última espécie jogável no jogo é o Australopithecus africanus, que pode ser jogada entre 2,5 e 2 milhões de anos atrás, enquanto os estudos indicam que essa espécie tenha existido entre 3 e 2,6 milhões de anos atrás. De maneira geral, o africanus possuía membros posteriores mais longos em comparação ao afarensis, o que aproxima sua anatomia do gênero Homo.

O jogo não apresenta outras espécies de Australopithecus já conhecidas, como o A. garhi e o A. sediba (este mais recente, vivendo há cerca de 2 milhões de anos). Além disso, outras espécies próximas, como os Paranthropus robustus e Paranthropus boisei, que para alguns são consideradas do mesmo gênero, também não são apresentadas.

De maneira geral, os Australopithecus no jogo são retratados como caçadores-coletores. No entanto, não há evidências de que eles caçassem ou utilizassem instrumentos para tal fim. Na realidade, sabemos que eles eram mais frequentemente presas de grandes felinos, como leões, além de outros predadores.

As evolução em jogo!

E lá vou eu, batendo na pedra, vivendo em bando, caçando, coletando, morrendo, aprendendo e depois de um tempão de jogo – evoluindo. 

Bibliografia

CONDEMI, Silvana; SAVATIER, François. As últimas notícias do Sapiens: uma revolução nas nossas origens. Tradução de Mauro Pinheiro. São Paulo: Vestígio, 2019.

HECHT, Jeff. Evolution in the Grand Canyon. Geotimes, jan. 2008. Disponível em: https://web.archive.org/web/20210415025521/http://www.geotimes.org/jan08/article.html?id=feature_evolution.html. Acesso em: 17 dez. 2024.

FANDOM. Locations. Ancestors: The Humankind Odyssey Wiki. Disponível em: https://ancestors.fandom.com/wiki/Locations. Acesso em: 17 dez. 2024.

NORONHA, Carina. O Grande Vale do Rifte na África Oriental. Igeológico, 9 dez. 2019. Disponível em: https://igeologico.com.br/o-grande-vale-do-rifte-na-africa-oriental/. Acesso em: 17 dez. 2024.

PANACHE DIGITAL GAMES. Ancestors: The Humankind Odyssey. [S.l.]: Private Division, 2019. Jogo eletrônico (PC, PS4, Xbox One).

SMITHSONIAN INSTITUTION. Research. Human Origins Program. Disponível em: https://humanorigins.si.edu/research. Acesso em: 23 dez. 2024.

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