No dia 07/10/2023 às 00:30 (GTM-3), um ataque surpresa partindo da faixa de Gaza fazia milhares de vítimas em Israel – na sua grande maioria civis. O massacre foi realizado pelo braço armado do grupo dominante da região da Faixa de Gaza -denominada HAMAS – sigla para Ḥarakah al-Muqawamah al-‘Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica. A resposta do Estado de Israel foi imediata, intensos bombardeios e uma declaração de Estado de Guerra acirrava o conflito. A partir daí as narrativas feitas por inúmeros jornalistas, comentarias e “especialistas” em Geopolítica se proliferam nas redes. O certo é que o conflito será longo e vitimará milhares de inocentes. O objetivo deste post é esclarecer algumas questões históricas que envolvem essa situação trágica que vitima diversos inocentes de ambos os lados. Para isso, nós vamos extrapolar o período de 1947, usado por muitos geopolíticos como definidor do início do conflito.
E o nome será Palestina
O nome da região chamada Palestina tem uma origem romana. Porém, a região tinha nomes diferentes, variantes de outras línguas, como do grego – Philistia, que era o termo no qual os gregos chamavam o povo que habitava a região (os filisteus). Aliás, os filisteus tinham uma origem cretense e não tem vínculo com os atuais povos que habitam a região. A região da Palestina também era chamada pelos assírios de Palastu. Aqui é importante salientar que os assírios dominaram a região muito antes dos gregos e dos romanos. Porém, o termo Palestina foi “popularizado” pelos romanos e seus sucessores bizantinos, eles denominaram os territórios da região com estes nomes, assim como da região da Síria. Os povos árabes mantiveram o nome da região de acordo com a vertente romana, neste caso, chamando-a de فلسطين, translit. Filasṭīn.
A Mitologia Bíblica e o povoamento da região
Povo semita originário da Mesopotâmia, os hebreus chegaram na região da palestina lá pelo segundo milênio antes de Cristo, em busca de novas pastagens para a criação de seus rebanhos, na maioria das vezes de ovelhas. Isso só era possível porque naquela região estava o rio Jordão, fonte de água necessária para sua agricultura de subsistência que utilizava as técnicas de irrigação presentes na Mesopotâmia e no Egito daquele tempo. Nós sabemos grande parte da História dos Hebreus a partir da Torá, correspondente ao pentateuco, um dos cinco principais livros do antigo testamento.
Ainda segundo as fontes bíblicas, uma grave seca por volta de 1750 a.C. fez o povo hebreu partir para o Egito, que na época era dominado pelos hicsos. A retomada do Egito pelos mesmos, levou os hebreus à condição de escravidão, é provável que os hebreus tenham permanecido na região por volta de 480 anos. O retorno é épico, marcado pelo Êxodo – a fuga liderada pelo patriarca Moisés – que abre as águas do mar vermelho. Ao chegar na Palestina, os hebreus vão disputar a região com outros povos, como os Cananeus, Arameus e Filisteus. Da necessidade de vencer os conflitos, há uma união entre as 12 tribos e desta forma, inicia-se um período dos reis, mais especificamente três deles – Saúl, Davi e Salomão.
Após Salomão, há uma desintegração das tribos hebraicas, e dois reinos se formam por volta de 900 a.C. Os Reinos de Israel (10 tribos) e de Judá (2 tribos) vão concentrar o povo hebreu nos séculos seguintes, porém em 721 a.C. os assírios conquistam o reino de Israel e a população hebraica acaba se disseminando no império assírio. O reino de Judá será invadido por Nabucodonossor em 586 a.C. e seu povo será levado até a cidade da Babilônia. Com a vitória dos persas em 512 a.C. os hebreus podem retornar para a Palestina onde viveriam com certa liberdade religiosa sob a dominação persa e grega.
É a partir do século XIX que nós temos dentro da Europa, o afloramento do sentimento nacionalista e a busca de uma nacionalidade e construção de um passado para os praticantes do judaísmo. Com a Primavera dos Povos de 1848, inicia-se uma ideia sionista (retorno dos judeus para a Terra Santa) baseada no antissemitismo protestante. Desta forma, a escritura sagrada se transforma na principal fonte desta construção da identidade nacional judaica, mesmo que na época, os judeus não utilizassem o antigo testamento como fonte de professar a fé, isso era feito através do Mixná e do Talmude. A Bíblia tinha apenas algumas passagens utilizáveis, a oralidade permanecia a maior forma de regramento da comunidade judaica. São os europeus protestantes – que não queriam a presença dos judeus no continente, que incentivaram o retorno do “povo escolhido” para a Terra Prometida.
A Diáspora (dispersão) do povo Hebreu?
Uma parte da abordagem histórica da antiguidade resiste em acreditar nos relatos bíblicos e de outras narrativas do período, nos quais houve sistemáticas expulsões ou “sequestros” de povos inteiros – como o relato da captura do povo hebreu pelos caldeus e até mesmo sobre as diásporas romanas. Como aponta o historiador israelense Sholomon Sand. “Os governadores de Roma se distinguiam por sua crueldade na repressão das populações rebeldes: executavam os combatentes sem nenhuma piedade, faziam prisioneiros que eram vendidos como escravos, expulsavam também reis e príncipes, mas, no Oriente, certamente nunca desenraizaram todas as pessoas que haviam subjugado. Nem possuíam os meios tecnológicos para fazê-lo: não tinham nem caminhões, nem trens; quanto aos seus navios, não eram tão grandes quanto os do nosso mundo moderno.” Os relatos dos cronistas da época eram recheados de exageros, e as pesquisas arqueológicas mais recentes confirmam esses exageros.
A diáspora romana tem como principal narrador um personagem chamado de Flávio Josefo, que narra a guerra entre judeus e romanos a partir da revolta dos zelotes. Nessa narrativa, o historiador romano atribui a morte de mais de 1 milhão de pessoas em Jerusalém, porém, estudos arqueológicos apontam que em toda a judeia (região sul da Palestina) poderia haver no máximo meio milhão de habitantes, devido a suas condições agrícolas, por exemplo. O conflito que teria durado entre 66-70, e mesmo com grandes perdas por parte dos judeus, as próprias escavações arqueológicas sugerem que não houve dispersão após o conflito e que as populações judaicas voltaram a crescer no período. Ao abordar a segunda diáspora resulta da revolta de Bar Kokhba em 132, e rechaçada pelo imperador Adriano. As fontes históricas sobre este conflito ficam mais escassas. Nós temos apenas os registros de narradores bem menos prestigiados que Flávio Josefo, que trazem informações bastantes limitadas sobre o conflito. O que se apresenta é que o nome de Jerusalém é alterado para Aelia Capitolina e é dado o nome da Região de Sírio-Palestina. De fato, os circuncisados foram proibidos de viver na cidade por algum tempo, porém, nas décadas posteriores há uma consolidação do povo hebreu, vista a partir do ano 220 d.C., quando “findaram-se a compilação das leis orais, sua redação e seu fechamento nas “seis ordens da Mixná”, um acontecimento de importância muito mais decisiva que a revolta de Bar Kokhba para o desenvolvimento da identidade e da crença judaicas ao longo de sua história.” (SAND, 2017, Pág. 172)
A Construção da nação de Israel evidencia uma possível dispersão do povo judeu pelo mundo, contrariando os estudos históricos e arqueológicos, que não fundamentam essa possibilidade. Aliás, a explicação para a presença de judeus em outras partes do globo não é devido a tal diáspora (expulsão dos hebreus de Jerusalém) e sim, a própria expansão do judaísmo para o norte da África e para a porção ocidental. O que se sugere é que os judeus estivessem habitando diversas regiões do Império Romano e do Império Parta (com forte presença na Babilônia). A população de judeus espalhados nestes impérios era maior do que a existente na região da Palestina. E não esqueçamos, mesmo que no Talmude existam expressões que trazem uma ideia de que os judeus não aceitavam novos adeptos tão facilmente, diversos questionamentos e pesquisas apontam que os judeus, assim como todas as demais crenças monoteístas (cristianismo e islamismo) proliferaram sua crença e se expandiram para os mais diversos grupos étnicos. Logo, pensarmos que etnicamente os povos da nação de Israel atual possuem ligação com o povo hebreu é uma tremenda falácia. A população judaense acaba durante a fase cristã do Império Romano sendo cristianizada, sobrando alguns núcleos judaicos que resistiram ao cristianismo, principalmente devido a influência de rabinos da babilônia.
Uma Palestina entre árabes e cristãos
O cristianismo sofre um duro golpe no oriente médio, começava uma nova religião monoteísta (o islamismo) e a sua Jihad (vontade em espalhar a palavra de Deus). O domínio da região da Palestina entre 638-643 pelos árabes ocorreu com um número pequeno de homens (por volta de 46 mil) e apesar deste grupo se direcionar em direção ao Império Bizantino, um grupo estabelecia suas primeiras bases na região, iniciando com isso, a povoação da região pelas populações árabes, o que afeta fortemente o comércio marítimo na região, porém, de modo algum resulta em uma expulsão dos judeus da região da Palestina. É possível examinar que nestes primeiros encontros entre os muçulmanos e judeus, uma preferência dos últimos pelos muçulmanos em relação aos cristãos, talvez pela postura do próprio profeta Maomé com relação aos demais povos monoteístas, conforme a ordem expressa por ele a lideranças árabes;
“Todo convertido ao islã, quer seja judeu ou cristão, deve ser aceito como fiel — tanto seus direitos quanto seus deveres são iguais aos de seus semelhantes. E aquele que quer preservar seu judaísmo ou seu cristianismo não deve ser convertido, deve pagar seu imposto atribuído a cada adulto, homem ou mulher, livre ou escravo.”A Postura dos muçulmanos em relação as demais religiões monoteístas mostrava-se menos “agressiva” em sua conversão, porém, percebe-se que mesmo com a possibilidade de retorno dos circuncisados à Jerusalém, o número de Sinagogas e dos judeus acaba diminuindo sob o domínio árabe, aqui não podemos extrapolar as motivações, pois há poucas fontes sobre o período, em parte devido a própria política israelense, que favorece as pesquisas arqueológicas baseadas nas eras romanas e judaicas, excluindo o período de dominação árabe. Neste período de dominação muçulmano (com exceção do período das Cruzadas) os judeus mostraram-se presentes no Norte da África e na região da Ásia Central, onde observa-se a conversão do povo Khásar ao judaísmo, conforme apontamentos de Shlomo Sand em sua obra A invenção do povo judeu. A partir daí, o autor evidencia que grande parte dos judeus de Israel podem descender os judeus Kházares. Essa proposta é rebatida por dois estudos geneticistas, que apontam evidências a favor da ideia de que os casamentos entre os judeus eram mais limitados com relação ao seu povo, e que por isso, os judeus do atual Israel são provenientes geneticamente do povo hebreu – um estudo geneticamente direcionado que deixaria Hitler muito contente. Para deixar bem claro, não há um amplo estudo genético que refute a teoria de Sand.
A Palestina e o Império Otomano
Se durante a Idade Média a região da Palestina foi dominada por bizantinos – omíadas – cruzados e abássidas, a partir de 1516, o Império Otomano passou a controlar a região. Nesses 400 anos de controle otomano, pode-se perceber até hoje algumas contribuições arquitetônicas e culturais, estas últimas, presentes dentro do código de leis de Israel como nos registros do tribunal religioso (o siil), os registros de terra (o tapu). Sobre a presença judaica no período, o historiador israelense Ilan Pappe explica;
“Quando os otomanos chegaram, encontraram uma sociedade em sua maioria rural e composta por muçulmanos sunitas, mas com pequenas elites urbanas de idioma árabe. Menos de 5 por cento da população era judaica, e provavelmente de 10 a 15 por cento eram cristãos.”
Ao observar a narrativa oficial do governo de Israel, Pappe critica que aquela ideia de que no período otomano diversas populações judaenses migraram para Jerusalém, ocupando espaços agrícolas “abandonados” durante o período, criando dentro do imaginário israelense a ideia de que os judeus ocuparam espaços desérticos e inférteis. Ao contrário, muitas pesquisas sobre o período sugerem que as populações árabes tiveram uma prosperidade rural e com cidades bastante movimentadas na própria palestina.
Sob o reinado de Daher al-Umar (1690-1775) há uma revigoração de cidades costeiras como Acre e Haifa, em parte devido ao aumento do comércio marítimo com a Europa. A População árabe nas vésperas do séc. XIX era de mais de meio milhão de habitantes na região, um número considerável para os padrões da época.
Nacionalismo e Sionismo numa Palestina dos séculos XIX e XX
Na Europa, o sentimento nacionalista se prolifera na segunda metade do século XIX, após a chamada Era das Revoluções que culmina na Primavera dos Povos de 1848. A partir daí, espalha-se para a palestina os ideais nacionalistas, mesmo que a região ainda estivesse sob o controle do Império Otomano no período. Dinâmicas internas e externas expuseram a região da palestina a este novo modo de se autorreferir, ou seja, chegava na região o conceito de nação e nacionalismo. Missionários dos EUA na região foram um dos vários grupos do ocidente que ajudaram a disseminar este sentimento na região, por isso, antes mesmo de 1882 (uma data que marca o início do movimento sionista) percebe-se o desenvolvimento do nacionalismo palestino, expressado através do seu dialeto próprio, da sua autoidentificação e das ações de governantes locais que já buscavam e obtinham uma certa autonomia provincial com relação ao Império Otomano.
É possível observar outra questão que se desenvolvia dentro do Império Otomano no findar do século XIX – o processo de secularização. Esse processo de secularização significa uma separação entre Religião e Estado, fortalecendo o laico e o nacionalismo – desta forma – dentro do Império Otomano nós temos a criação da identidade turca e árabe, claro que, influenciando ativamente os palestinos, já que eles passaram a se ver como um povo com aspirações nacionais, da mesma forma que outros países existentes na região, como o Líbano, a Jordânia, a Síria e o Egito. Neste contexto, muitos cristãos aderiram ativamente a este processo, unindo-se a lideranças muçulmanas locais. Os judeus, não fosse o sionismo, poderiam ter feito parte do processo.
Afinal de contas, o que significa esse tal de sionismo?
O Sionismo é basicamente um movimento judaico-cristão que se manifesta na Europa do século XIX. A ideia do Sionismo é o retorno dos judeus para o Sião (nome antigo dado a Jerusalém).
Desde o século XVIII, com o movimento iluminista, a comunidade judaica na Europa já alimentava uma ideia de integração, baseada no início da construção de sua origem a partir dos estudos bíblicos, apoiados por muitos protestantes, que faziam as leituras do Antigo Testamento e aprovavam a ideia de origem do povo judeu. Com isso, nós temos a reconstrução do idioma hebraico e a partir da Primavera dos Povos, a ideia de nacionalismo judaico entrava em vigor. Desta feita, duas correntes judaicas se formam, a primeira mantinha uma ideia de radicalização religiosa e de entrincheiramento das comunidades judaicas nos seus locais, evitando uma secularização e combatendo o crescente antissemitismo fortalecendo a ideia comunitária, este grupo é formado por Ortodoxos. Por outro lado, a secularização havia promovido uma atividade religiosa mais branda, com isso, formou-se outra corrente que buscava reformar a base do judaísmo, participando reconhecendo a cidadania na qual o grupo pertenceria e integrando-se a sociedade, ou seja, basicamente o reformismo era uma adaptação da crença a modernidade. Este grupo era bastante numeroso na Alemanha e nos EUA. Uma vertente dos reformistas será a dos judeus liberais, este grupo acreditava que nações que permitissem uma liberdade religiosa favoreciam a sua religiosidade, neste caso, muitos se mudaram para o Reino Unido e EUA. É importante salientar, grande parte destes grupos era contrário ao sionismo, principalmente porque a ideia de construção de nação era vista como uma forma de destruir os valores religiosos.
O Sionismo começa a ser elaborado de forma prática com Theodor Herzl (1860-1904) a partir da acusação do oficial francês Alfred Dreyfus em 1894. O episódio representou uma forte ação antissemita no exército francês, e com isso, Herzl passa a acreditar que a única solução para o judaísmo seria a construção de uma nação para os judeus. O movimento considerava a população árabe da palestina inferior, e o slogan uma terra sem povo para um povo sem terra era uma representação da formação de uma ideia de inferioridade dos povos árabes-palestinos na região, o chamado Orientalismo, uma visão de superioridade do ocidente frente ao oriente.
Os sionistas transformariam a Bíblia no grande documento fundador do povo hebreu e da sua relação com a Terra Santa, contrariando a prática dos judeus com a próprio bíblia, que como já abordado, não era um objeto de fundamentação espiritual da religião sem abordagens orais. O sionismo e sua fundamentação bíblica combinava com os protestantes do velho continente, por isso, a ideia de retorno do povo judeu para a terra prometida agradava aos círculos de autoridades da Alemanha e do Reino Unido. É óbvio que o próprio sionismo era visto como uma solução para os próprios antissemitas, que não viam a hora de expulsar os judeus do continente.
A Fundação do Estado de Israel (1948)
A perseguição nazista aos judeus da Alemanha aumentou a migração de judeus para a Palestina. Se em 1933 havia por volta de 10 mil judeus na região, em 1935 a população havia saltado para mais de 60 mil. Esse aumento provocou uma reação do líder árabe-palestino Amin al-Husseini, que convoca uma greve geral na região para forçar os britânicos a cessarem a chegada de judeus e que permitissem um governo parlamentar composto pela população local. Ao ignorar as exigências dos palestinos, os britânicos viram a intensificação dos combates entre árabes e judeus, levando a morte de milhares de civis em ambos os lados. Percebendo a situação, os britânicos apresentam a Liga das Nações um projeto de partilha da Palestina em 1937, porém, a ação só seria realizada em 1948. Dentro da comunidade sionista, crescia a ideia de realocar a população árabe da região, os encontros entre as lideranças locais já previam um planejamento de deslocar a população árabe para a Síria, as reuniões que começaram em 1938 já consolidavam esse tema em questão, naturalizando a expulsão dos árabes da região.
Logo após o final da Segunda Guerra Mundial, os britânicos já demonstravam que iriam “abandonar” seus domínios na região da palestina. Enquanto os árabes acreditaram que o processo de saída fosse similar a outras regiões do Oriente Médio, que permitiram o surgimento de Estados Nacionais árabes, como o Egito e o Iraque , a comunidade sionista começou a se fortalecer em duas frentes, a diplomática – que postergava junto a ONU e aos britânicos seus domínios na palestina em razão da perseguição mundial sofrida pelos judeus (é sempre importante lembrarmos do Holocausto) em razão de 80% do território, cedendo a outra parte ao reino da Jordânia. Assim como os curdos, os palestinos também não teriam acesso a uma nação. Apesar das contrapartes da ONU, os sionistas deixaram a possibilidade fronteiriça em aberto, pois havia uma outra ação a caminho, desta vez no âmbito militar.
Aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 29 de novembro de 1947, os britânicos sairiam da palestina e surgiria o Estado de Israel em 14 de maio de 1948. No dia seguinte, as nações árabes (Egito, Síria, Iraque, Líbano, Egito e Jordânia) declararam guerra a Israel. Porém, os sionistas já haviam se preparado para o eventual conflito, provocado principalmente pela limpeza étnica provocado pelos judeus aos árabes da região. Apoiados pelos EUA e pela URSS (que inclusive enviou parte do moderno armamento usado pelos israelenses) o exército de Israel mostrava-se muito mais preparado e organizado do que os demais, além disso, as formas árabes não tinham um poderio militar equivalente, e a Jordânia, única capaz de enfrentar Israel, não apoiou o conflito integralmente pois havia adquirido a região da Cisjordânia. Os israelenses promoveram duas ações na Guerra de 1948, expandiram o seu território e realizaram uma limpeza étnica, retirando as populações palestinas integralmente de diversos vilarejos. Violência, medo e inúmeras prisões, forçaram a migração da população palestina, expulsando-as do expandido Estado de Israel. No discurso “oficial”, os palestinos deixaram suas casas voluntariamente esperando por uma vitória da aliança árabe.
A Guerra dos Seis Dias (1967)
Se você assistiu o pseudo especialista em relações internacionais, provavelmente vai perceber um discurso no qual Israel foi forçado a ocupar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza até a garantia de que o mundo árabe ou os palestinos aceitassem a paz. Desta maneira, o discurso favorece um entendimento de que as lideranças árabes e palestinas são intransigentes e de que a paz é algo impossível, além de que, a dominação israelense as regiões ainda persistem devido a resistência dos palestinos em aceitar o Estado de Israel.
Começamos pela vitória de Israel em 1948, onde o acordo com a Jordânia foi respeitado e com isso a região da Cisjordânia manteve-se habitado por palestinos. A cúpula sionista israelense admitia que havia perdido uma oportunidade histórica de consolidar todo o domínio sobre a Palestina. Porém, desde 1960 havia a ideia de um Grande Israel, ou seja, se houvesse uma outra oportunidade, ela não poderia ser deixada de lado. Desde 1956 o Egito e Israel mantinham uma política diplomática bem precária, marcada por diversas ameaças na zona desmilitarizada do Sinai. No Norte, as transposições do rio Jordão desagradavam os Sírios e os Libaneses, e por isso, diversas vezes, israelenses e sírios se confrontaram na região dos Montes de Golã. Em 1964, os sírios começaram a modificar os cursos do rio Jordão e acabaram sofrendo bombardeios de Israel. Por outro lado, Israel estava descontente com as ações da Jordânia e do Egito com relação a recém-formada OLP (Organização de Libertação da Palestina). No meio desta tensão, o grupo sionista percebia a oportunidade de expandir a sua ocupação.
O conflito começa em 5 de junho de 1967. Israel inicia uma série de ataques preventivos a aliança formada pelo Egito, Síria e Jordânia. A força aérea do Egito é destruída em Solo, e a entrada da Jordânia no conflito leva a tomada da Cisjordânia pelos israelenses. Enquanto Israel fazia uma grande ofensiva na Península do Sinal, outra divisão invadia as Colinas de Golã enfrentando os Sírios. A ideia de Israel era vencer o quanto antes, pois a ONU pressionaria pelo fim das hostilidades, assim como a OTAN, pois os soviéticos poderiam armar os estados árabes mantendo a guerra. Desta forma, em 10 de junho os sírios se afastam do conflito e Israel atinge uma grande vitória militar sobre as nações árabes, destruindo grande parte do seu arsenal militar.
Se vocês se comportarem melhor, tudo vai melhorar…
O que a Guerra dos Seis Dias nos mostra, é que Israel conseguiu completar seu plano de 1948, ou seja, expatriar a grande parte da população palestina do seu território, seja para a Faixa de Gaza ou para localidades específicas da Cisjordânia (algumas localidades históricas importantes tiveram suas populações palestinas expulsas em detrimento da manutenção de uma maioria israelense). E aqui é importante enfatizar que a população palestina é considerada apátrida – ou seja – não tem cidadania alguma e tampouco os direitos humanos básicos. Se com a criação do Estado de Israel diversas populações palestinas foram empurradas para Guetos e retiradas das áreas produtivas, após a consolidação da expansão israelense em 1967, muitos foram “realocados” em verdadeiras prisões a céu aberto – como no caso da Faixa de Gaza. É importante pensarmos que os governos israelenses pré-1967 eram ditaduras militares, onde apenas 1/5 da população tinha acesso a participação política. Nesta época, há diversos casos de ações militares que expulsavam aldeamentos palestinos inteiros, assassinando parte dos habitantes locais.
Desde 1949 a ONU exige o retorno dos palestinos para suas localidades. A resposta de Israel é que haverá o retorno quando algum governo palestino passar a contribuir com o Estado de Israel, colaborando com a política local. Porém, os levantes de resistência palestina as suas prisões, são respondidas com um poderio militar israelense sempre desproporcional, e a partir dessa lógica, sabemos que a condição palestina não vai se transformar.
É importante salientar que a política israelense não é democrática, a começar pelo direito de retorno, que é dado a todo o judeu do estrangeiro que quiser fazer parte do Estado de Israel, mas não é concedido aos palestinos que foram desapropriados. Aos palestinos que se “comportam” há uma certa condição de trabalho em Israel, porém, não há participação política, não há o direito de servir ao exército e também de trabalhar na indústria bélica israelense – responsável por 70% da sua base industrial. Há uma nítida segregação religiosa e racial (lembramos que o sionismo é também uma política de raças) em Israel, e desta forma, não é possível definirmos o país como uma Democracia, de tal forma como fazemos com o Brasil. Em Israel, uma elite diplomática e acadêmica sobrevive as pressões crescentes da comunidade internacional sob o argumento mostrado por Illan Pappe;
“Para se defender dessa acusação, a principal resposta diplomática e acadêmica de Israel é alegar que todas as medidas citadas são temporárias — elas mudarão se os palestinos se comportarem “melhor” em qualquer um desses locais.”
Um caminho para a paz? Os acordos de Oslo
A tensão no Oriente Médio não acabou em 1967, pois uma nova aliança entre a Síria e o Egito permitiram um ataque planejado ao Estado de Israel em 6 de outubro de 1973, na chamada Guerra de Yom Kippur. Apesar das vitórias iniciais sobre os israelenses, o forte apoio dos EUA permitiram uma recuperação do exército de Israel e uma poderosa contraofensiva na Síria (Damasco foi fortemente bombardeada) e também no Egito. Essa condição fez com que os EUA e a URSS (que apoiava os estados árabes) interviessem diplomaticamente, e com isso, um acordo foi selado entre os países, fazendo com que a moral árabe retornasse – a liga árabe tinha se sentido humilhada com a Guerra dos Seis Dias. Apesar da vitória militar, as perdas de Israel forçaram o país e buscar acordos diplomáticos, assim como o Egito, primeira nação Árabe a reconhecer o Estado de Israel. Deste conflito, há uma forte retaliação árabe aos EUA, causando a Crise do Petróleo.
A ideia estadunidense de criação de territórios da paz sempre esteve presente como uma resolução para o conflito na região, porém, conforme o poder de Israel crescia, maior seria a sua repartição no processo. Com 80% do território palestino estando sob o seu domínio direto, Israel só teria que se preocupar em ceder os 20% do território onde havia a maioria palestina, ou seja, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. E é esta lógica que estará implicada nos acordos de Oslo.
Os palestinos do Fatah já pensavam desde a década de 1970 numa partição como um caminho para a liberdade do povo palestino. Mas só para constar, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) criada em 1964 para representar o interesse do povo palestino, sempre foi ignorada por Israel, que negociava apenas com o reino da Jordânia, elegendo esta nação como responsável pelo povo palestino. Um movimento para paz inicia após a insurgência de 1987, conhecida como a Primeira Intifada, que foi um movimento espontâneo da população palestina contra os assentamentos israelenses, após inúmeros casos de violência por parte do exército israelense serem denunciados e mostrados a partir de fotografias. Foi logo após a primeira Intifada que surge o Hamas, um movimento de resistência considerado atualmente uma organização terrorista por diversos países aliados de Israel.
Em 1992 o partido trabalhista israelense vence as eleições e desta forma, Israel adota uma política voltado a resultados mais práticos com relação a tomada das terras palestinas. Em 1991 a OLP e Israel já haviam iniciado diversas discussões na Conferência de Madrid, porém é através do instituto de paz norueguês sediado em Oslo que há um encontro formal entre os membros da OLP e o ministério das relações exteriores de Israel em 1993. Os chamamos Acordos de Oslo representaram uma imposição de Israel sob os palestinos nas mesas de negociações, destas reuniões surgiram “bolsões” de autogovernos palestinos permitidos por Israel na Cisjordânia, onde haveria uma Autoridade Palestina responsável por manter políticas públicas e educacionais para os palestinos, assim como controlar as suas manifestações violentas, mesmo sem ter uma força armada, pois os territórios continuariam sendo controlados por Israel. Em troca, Israel liberaria alguns assentamentos na região da Faixa de Gaza, condição que não cumprida nos anos posteriores, criando um segundo momento de insurgência, a Segunda Intifada. Desta forma, Ilan Pappe complementa;
“E por isso devemos reconhecer que o processo de Oslo não foi uma busca justa e igualitária pela paz, mas um compromisso aceito por um povo colonizado e derrotado. Como resultado, os palestinos foram forçados a buscar soluções que iam contra os seus interesses e colocavam sua própria existência em risco.”
O Hamas e a Faixa de Gaza
O Hamas é um acrônimo, ou seja, além de ser a sigla para Movimento de Resistência Islâmica, a palavra em si significa entusiasmo. A sua fundação se remete a 1980, quando a organização era apenas educacional e beneficente. Com a primeira intifada, o Hamas passou a buscar agir de forma política. Com os Acordos de Oslo, nós temos Yasser Arafat como principal liderança palestina, seja através do seu partido (Fatah) como liderança da OLP e como Autoridade Palestina. Com a segunda intifada, jovens insurgentes do Hamas tomaram a frente das ações de maneira enérgica, com diversos membros se tornando homens-bomba. A morte de Yasser Arafat em 2004 abriu um vácuo de poder na Autoridade Palestina e novas eleições presidenciais foram convocadas, porém, o Hamas boicota as eleições, pois elas eram uma imposição dos Acordos de Oslo, não sendo consideradas verdadeiramente democráticas. Porém vence diversas eleições municipais e torna-se maioria da assembleia nacional em 2005. Mas ao confrontar Israel e o Fatah, o Hamas acabou sendo excluído politicamente da Cisjordânia.
Seria o Hamas um grupo terrorista?
As ações do dia 07 de outubro fomentam ainda mais o conceito do Hamas como Organização Terrorista, mas apesar de considerarmos as ações do Hamas terroristas (e sem dúvida, elas foram), conceituar o Hamas como representação política da faixa de Gaza uma organização terrorista, é no mínimo, uma afirmação tendenciosa – afinal de contas, vocês vão perceber que a contagem de civis mortos por Israel será muito superior as vítimas civis feitas pelo Hamas.
Para começar, a Faixa de Gaza compreende apenas 2% do território da Palestina, e atualmente sua população é estimada em 2,3 milhões de habitantes, uma das regiões mais densamente povoadas do planeta. Ela sempre foi um território comum aos palestinos, sendo um importante porto marítimo e de certa forma cosmopolita. Entre 1948 e 1950 a limpeza étnica provocada por Israel, levou à região, as populações palestinas de Jaffra, Bir-Saba e Majdal, e assim, uma pequena comunidade agropastoril da Palestina se tornou o maior centro de refugiados do planeta. Num primeiro momento, Israel permitia que trabalhadores palestinos pudessem trabalhar (de forma precária) em Israel, caso se submetessem a política israelense na região. Lembrando que a Faixa de Gaza, tem o fornecimento de água e luz controlados por Israel (com falta de ambos diariamente). Além disso, todo o controle aéreo e marítimo é determinado por Israel – e alguns especialistas insistem em dizer que a Faixa de Gaza não é uma prisão a céu aberto.
O Hamas é tido como uma organização terrorista, pois atenta contra Israel mesmo após este país ter retirado suas tropas e seus últimos colonos da região. Antes mesmo da eleição do Hamas, os israelenses assassinaram seus principais líderes, com objetivo de frear sua ascensão, mantendo o controle da região sob a Autoridade Palestina, tudo isso sob a tutela dos EUA. A saída de Israel da Faixa de Gaza, levando consigo todos os colonos judeus (cerca de 5 mil pessoas) ocorre em 2005, mas ela foi uma saída estratégica, como forma de poder monitorar e agir com mais energia, sem atingir diretamente o povo israelense. Diferente do processo de expropriação da Cisjordânia, que é lento e gradual, não sendo debatido pela opinião pública internacional e onde há o interior da Jordânia, onde os palestinos podem ir se alocando, a Faixa de Gaza não tem atrativo territorial algum e tampouco um espaço de migração dos palestinos. E a população de lá resiste, envia foguetes contra Israel, mesmo sabendo que haverá uma severa e desproporcional reação.
O cancelamento de luz elétrica, água, combustível e, além do bloqueio total da região de Gaza realizada pelo governo israelense desde 7 de outubro, além da bizarra operação militar chamada de Espadas de Ferro, consolida uma política colonizadora que utiliza de operações militares com nomes bizarros para dominar/exterminar uma população que ameaça a dominação sionista na região.
Referências
AL JAZEERA. Israel-Palestine conflict. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/tag/israel-palestine-conflict/>. Acesso em: 18 out. 2023.
Conflito Israelo-Palestino. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2001. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Conflito_israelo-palestino>. Acesso em: 18 out. 2023.
Pappe, Ilan. Dez mitos sobre Israel (Portuguese Edition) Editora Tabla. Edição do Kindle.
SAID, Edward W. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. ISBN 978-8535911486.
SAND, Shlomo. A Invenção do Povo Judeu. São Paulo: Benvirá, 2009. ISBN 978-85-6540-007-9.
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